Com destino a Belém
{Tucuruí a Belém}
Trajeto: Tucuruí > Goianésia do Pará > Tailândia> Belém
Distância: 370 km
09/12/13
Saímos da Chácara cedo pela manhã. A pequena cidade de Breu Branco estava a apenas 6km de lá, então foi possível passar no mercado público e comprar um belo litro de açaí recém batido para tomar como café da manhã. Abrimos o pacote, despejamos nas nossas canecas o precioso líquido, e raspamos um pouco de rapadura para adoçar a vida. Enquanto ficávamos com os dentes pretos e a boca roxa de açaí, os transeuntes nos olhavam com estranheza, alguns menos acanhados arriscavam algumas perguntas. Estávamos com fome e respondíamos em monossílabos, nossa boca estava mais preocupada em ingerir o ouro negro.
Deixando a cidade de Breu Branco e sua caprichada avenida-rodovia.
É claro que já estava quente a essa hora, a pele pipocava e a cada subida sentíamos nossas forças se esgotarem, junto com a paciência a cada caminhão que passava tirando fina e cuspindo aquela fumaça preta nas nossas caras. A estrada não tinha acostamento e estava com alguns trechos com muitos buracos. O que nos indignava era que os motoristas desviavam dos buracos e até reduziam a velocidade quando eram muitas as falhas no pavimento, mas ao passarem por nós simplesmente mantinham a trajetória e a velocidade, no máximo desviavam um pouquinho, sempre em alta velocidade.
Chegando ao entroncamento com a rodovia que nos levaria até Belém, está a cidade de Goianésia do Pará, e logo antes da entrada da cidade avistamos um destes parques de exposições e rodeio. Fomos até lá e conseguimos permissão para pernoitar. Fomos até o entroncamento com a outra rodovia para tentar comprar alguma comida, alguns vegetais e legumes frescos, mas só havia alguns restaurantes simples, mas com preços absurdos. O açaí estava com preços de cidade grande do sul/sudeste do país por ali. Sem chance! O centro da cidade ficava na direção oposta ao nosso caminho, então acabamos desistindo de procurar algo pra incrementar nosso arroz. Jantamos arroz com farinha de mandioca mesmo.
Enquanto cozinhávamos um menino de uns 7 anos de idade se aproximou, mas não muito. Tinha um olhar entristecido e estava completamente sujo. Falávamos com ele e ele não correspondia, só olhava. Ficou nos rodeando, escalando tudo que era pilar e parede, pulando pra lá e pra cá como um acrobata. Ficamos meio abobalhados de observar aquela criança. Quando o nosso arroz com farinha ficou pronto, ele veio mais perto. Perguntamos se ele queria provar e ele aceitou. A partir daí conseguimos uma brecha e vimos uns dentes brancos estampados num sorriso tímido. Começamos a falar umas abobrinhas pra ver se ele ria. Depois de um riso meio encabulado conseguimos quebrar o gelo com ele e começamos a conversar. Ele é quase o caçula, mora com a mãe e mais um punhado de irmãos, se não me falha a memória são sete ou oito irmãos, a mais velha com 19 anos, e o irmão mais novo tem 5. A mãe trabalha numa carvoaria, o pai é falecido, e a irmã mais velha é que cuida de todos eles quando a mãe está fora. Alguns irmãos também trabalham na carvoaria. Enchemos o pratinho pra ele duas vezes, ele comia com gosto e nós também. Foi sorte termos feito arroz a mais, planejávamos levar uma marmita pro almoço do dia seguinte, mas não nos faria falta porque passaríamos por algum povoado e poderíamos comprar mais comida no caminho. Foi muito gostoso este momento de conversa com aquele menino, todo sujo de tanto rolar no chão e pular pra lá e pra cá.
Quando começou a escurecer, ninguém veio chamá-lo e nem nós o avisamos pra ir pra sua casa. Ele simplesmente disse que estava tarde, ele tinha que ir para casa porque a mãe ficaria preocupada se ele voltasse no escuro. Um menino de 7 anos! Depois desta confraternização, ele até nos deu um abraço e já estava bem menos tímido, um sorriso cativante e cheio de energia.
Fomos dormir cansados e pensativos, ficamos imaginando como seria essa infância, como nós lidaríamos com isso se estivéssemos no lugar dele…
10/12/13
Como todos os dias começam na amazônia? Antes de clarear! Então lá estavam nossas rodas girando no asfalto irregular antes do sol começar a nos castigar. A estrada que pegamos agora vai completamente no sentido norte, reta! Não há acostamento e as condições do asfalto estão ainda piores que no trecho do dia anterior. O que não é de todo mal para nós, porque devido ao queijo suíço que está este asfalto, os motoristas tem de passar longos trechos muito, mas muito devagar, e o fato de ser reta e ter pouca oscilação de relevo, temos boa visibilidade pelo retrovisor, assim como os motoristas já nos vêem de longe. O lado ruim disso é que nestes longos trechos não há nenhum vestígio do que um dia foi um asfalto, e a poeira é intensa. Nunca vimos uma estrada tão ruim em toda a viagem, esta rodovia está pior que muito trecho de estrada de terra. O que nos motiva é que os motoristas nos respeitam e esperam nossa passagem. Há trechos em que só o meio da pista está transitável, é como se fosse uma rodovia de uma via só e compartilhada sem nenhum tipo de sinalização, então quem entrar primeiro tem a preferência, e o que vem no sentido contrário precisa parar, se contentar em esperar e respirar o poeirão. Não conseguimos nem fotografar, nossa tentativa de filmagem pra mostrar as condições da estrada ficou uma porcaria, era tanto buraco e trepidação que não se vê nada na imagem, e não podíamos parar e filmar ou fotografar decentemente, porque estaríamos trancando o caminho de uma fila de veículos atrás de nós, e é claro, não há acostamento!
Pretendíamos chegar até Tailândia neste dia, mas devido à lentidão dos trechos em más condições, ficamos devendo 10 km e paramos num baneário de Igarapé nas margens da estrada, no começo do povoamento próximo da cidade. O lugar não era dos mais cênicos à primeira vista, mas com o entardecer e a luz dourada, tivemos uma pintura linda emoldurada pela portinhola de nossa barraca. Realmente um presente para encerrar bem um dia de desgaste físico. É tão gratificante receber estes agrados de nossa mãezinha, Terra, obrigado por tu ser tão linda!
A Tailândia é aqui! Igarapé-balneário ao lado da estrada antes de Tailândia, pedimos pra acampar e o pôr-do-sol deu esse quadro pintado de presente.
11/12/13
Ah, este dia foi daqueles de baixar a cabeça e pedalar. Retas sem fim, paisagem de pastagens. O que até é bom pra variar um pouco e deixar mais dinâmica a viagem. A monotonia da paisagem e da estrada nos faz viajar no pensamento, meditar e conversar mais. Depois de passar pela cidade de Tailândia pegamos um bom trecho de asfalto refeito, e depois só asfalto bom até o final do dia. Pedalamos bastante hoje, pretendíamos parar mais cedo, mas o vento estava bom e aproveitamos pra fazer render um pouco mais o dia. Até porque conseguimos tomar um açaí no final da tarde, e aquela bomba de energia nos deu o gás que precisávamos. Só a parte sentante é que reclamou depois que o velocímetro começou a marcar mais números depois dos 90km. Fomos encontrar pouso numa propriedade privada, num galpãozinho onde o pessoal faz umas comemorações e eventos. No início não queriam nos deixar ficar, mas aí pedimos se poderiam nos dar água então, que iríamos seguir mais um pouco…aí até que a água vem começaram a conversar conosco e mudaram de ideia. Convidaram então a ficarmos e aceitamos, é claro! Com chuveirada e tudo, foi o final de dia que precisávamos!
Depois de Goianésia do Pará, só estrada plana e sem acostamento. Muitos caminhões e trechos com pavimento em péssimo estado.
12/12/13
Dada a quilometragem que vínhamos fazendo nos últimos dias, estimamos que levaríamos mais dois dias de pedal até Belém. Mas chegando no trevo antes do meio dia, descobrimos que se pegássemos uma estradinha de 20km até a balsa, pouparíamos um dia de pedal, economizaríamos uns 100km do anel que leva os veículos para Belém por terra. Mas no posto do trevo nos alertaram para os assaltos naquela estradinha. Falaram que é bastante comum um grupo de pessoas fazer sinal na estrada, como se pedindo ajuda ou carona. O grupo então assalta o motorista e leva o carro ou moto. Como estávamos de bicicleta, falaram que estaríamos ainda mais vulneráveis aos assaltantes. Ficamos pensativos e decidimos ir pela balsa mesmo, até porque consideramos que os tais assaltantes dificilmente conseguiriam fugir pedalando estas pesadas bicicletas, provavelmente nós correndo atrás deles seríamos mais rápidos. Além do que pelo anel, não haveria acostamento e o trânsito de caminhões é bem intenso. Considerando as não muito propícias opções que tínhamos, analisamos as hipóteses apresentadas a nós: melhor ficar a pé que morrer debaixo da roda de algum caminhão. Ficamos com a hipótese menos pior, possibilidade de perder bens materiais… Após um descanso no salão da igreja, almoçamos uma lata de milho em conserva com tomate e farinha de mandioca. De barriga cheia pensamos melhor, provavelmente estão exagerando com essa história de assalto. Vamos pegar a estradinha logo, porque uma nuvem bem pesada se aproxima, é capaz de nos fazer desisitir de seguir hoje, a igrejinha estava convidativa pra um acampamento e estávamos bem cansados.
O mais legal até agora foi encontrar um punhado de banquinhas que vende açaí pronto pra consumirmos. Eles batem na hora e até podemos ver o processo ao vivo. Além de ter um produto fresco e recém feito, é barato. Chegamos a encontrar o litro por 4 reais, e água de côco por 1 real! Pedalamos o dia inteiro na base de açaí com farinha e água de côco. Quase um detox em plena estrada!
No meio do caminho da estradinha, estávamos tensos com as histórias dos assaltantes, aí caiu uma chuvarada intensa, daquelas de fazer a estrada parecer um rio. Estava um calorão então foi uma delícia. Neste dia vi uma das cenas mais lindas da viagem. A mãe pedalava uma bicicleta cargueira levando um filho na frente e o outro atrás, foi buscá-los na escola. A chuva caia forte e era uma descida gostosa, as crianças estavam se divertindo muito debaixo daquela chuva. Passamos por eles e abanamos, todos retribuiram abanando efusivamente e gritando muito alegres. Ah, como eu queria ter filmado essa cena! Foi memorável! Por conta da chuva todas as câmeras estavam embrulhadas em trocentos sacos plásticos e capas, eu acabaria perdendo o lindo momento se tentasse desembrulhar a câmera. Foi tão gostoso ver aquela família se divertindo como nós, uma bela descida debaixo da chuva em um dia tão quente, ah, esquecemos aquela história de assaltantes! Pedalamos forte e empolgados debaixo da chuva e passou tão rápido que, em meio a uma estradinha bordeada de floresta e açaizais, chegamos num pequeno vilarejo onde está o porto para a balsa. Esperamos uma meia hora por ali, molhados e cheios de fome. Conversamos com um vigia enquanto esperávamos. Nos falou pra ficarmos espertos com um grupo de crianças que rodeava as bicicletas, pois alguns deles são já conhecidos por pequenos furtos. Ah, de novo essa história de ladrão! Ficamos impacientes, tudo bem eles quererem nos alertar sobre isso, mas chega a ser um pouco forçado. Saímos de perto do tal vigia. Ficar ouvindo notícia ruim só atrai coisa ruim. O que vimos o dia inteiro foi só coisa boa, porque as pessoas se apegam tanto em notícia ruim?!
Só o que podíamos comprar era mais um litro de açaí, o terceiro do dia, e um quilo de farinha d’água pra acompanhar. Todo o restante que vendiam por ali era superfaturado. Então este foi o dia que mais tomamos açaí, um pela manhã, outro no lanche do meio da manhã, e outro no final da tarde, 1,5L para cada um, e dele puro, sem misturas! Nos sentíamos muito elétricos, bem dispostos e fortes apesar de termos pedalado 105km até ali e ainda não ter conseguido entrar em contato com o ciclista que havia nos convidado para ir até Belém.
André conseguiu usar um telefone na escola, já que lá não havia internet e nosso celular não tinha sinal pra enviar um sms. Então conseguimos enviar a mensagem, mas não pudemos receber a resposta. A balsa chegou e embarcamos. Quando a cidade se aproximava conseguimos sinal e enviamos nova mensagem, que prontamente foi respondida pelo Luiz Paulo!
Chegada em Belém, Lupa já nos aguardava com a câmera a postos! Foto: Luiz Paulo Jacob
Fomos recebidos com tanto carinho pelo Luiz Paulo, que veio pedalando na chuva nos buscar! Fomos direto para o apartamento de um amigo do Lupa, o Robinson, que tinha este espaço desocupado para nos acolher. Foi como estar num apart-hotel, nos sentimos envolvidos em Luxo! Hehehe, um apartamento só para nosso descanso, perto de supermercado e do centro, tendo os melhores anfitriões da cidade.
Em Belém o Robinson tinha um cantinho esperando pela gente. Valeu amigo, pela acolhida maravilhosa e pelas pedaladas noturnas na cidade!
13/12/13
Jonise, nos levando pra conhecer os pontos históricos de Belém! Obrigada querida Jô, adoramos o passeio! Foto: Luiz Paulo Jacob
Nos dias seguintes Lupa e sua esposa Jô nos deram toda atenção! Levaram-nos a um tour pelo centro, nos mostraram os pontos turísticos e nos mostraram o paraíso gastronômico na Terra, o mercado Ver-o-Peso! Comemos jaca pela primeira vez! Uma explosão de sabores, ficamos fascinados!
Depois de muitos dias só comendo arroz, foi uma beleza estar numa cidade com mais variedade de alimentos, esse é nosso refogadão de legumes aleatórios dos dias de descanso!
Estávamos nos sentindo bem cansados e foi perfeito poder descansar em Belém. Além do descanso necessitado, estávamos a espera dos pais da Ana que estavam chegando para nos fazer a segunda visita durante a viagem. Seguiríamos com eles por alguns dias novamente de carona, percorrendo parte da região de litoral entre o Norte e o Nordeste. Enquanto esperávamos a chegada, fomos a um passeio noturno com o Lupa e o Robinson, recebemos a visita do Lauro e sua esposa, cicloturistas experientes destas bandas, e curtimos bom papo com o Lupa e a Jô!
Pedal noturno do “Corujão” com o Lupa e o Robinson. Foto: Luiz Paulo Jacob
Lauro e sua esposa, vieram nos fazer uma visita. Eles já viajaram muito de bicicleta, a última, de Belém ao Rio de Janeiro em uma Tandem. Obrigada queridos, pelas preciosas dicas para o trecho de nordeste que nos aguarda!
Também visitamos o parque Emilio Goeldi, seu museu bastante interessante e também a área ao ar livre, que é um tanto triste, porque há vários animais enjaulados e conseguimos perceber como estão malucos lá dentro. No entanto há alguns animais soltos, como as pequenas pacas e também alguns ratões de tamanho avantajado…
Fomos ao parque visitar e conhecer o museu, com as principais espécies amazônicas, mas o que o André viu nesta foto foi um ratão mesmo!
18/12/13
Com a chegada dos pais da Ana nos despedimos e agradecemos aos amigos que nos acolheram em Belém, Robinson, Lupa e Jonise, vocês são demais!
Visitamos o Ver-o-peso outra vez com os pais, até porque não seria nenhum sacrifício ir degustar aqueles sucos maravilhosos de lá. No dia seguinte visitamos o centro e partimos de viagem na carona com a família para uns dias de férias das férias, passaríamos o Natal, o Ano Novo e o aniversário da Ana junto com eles!
Vejam algumas fotos que levaremos de lembrança da linda cidade de Belém!
E então nosso reencontro com os pais da Ana, em Belém eles chegaram depois de 4 dias viajando de carro pelo interior do país.
Visitamos outra vez o mercado Ver-o-peso, desta vez como guias turísticos experientes, pois já havíamos aprendido tudo com Luiz Paulo e Jonise!
Ah, dúvida cruel, que quantidade de castanhas levar? E que tipo, crua, doce, salgada, natural…Paraíso veg!
Sonho de consumo! Ter muitas árvores de açaí onde formos sentar nossa morada futura. Compramos alguns brotos para os pais levarem a Santa Catarina.
As sementes das frutas mais deliciosas que já provamos na vida!
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Ah o colorido do mercadão mais famoso do Brasil!
Arquitetura e luz de fim de tarde em Belém.
Vista da loja de sucos, num entardecer no Verópa (apelido íntimo do Ver-o-peso).
Vegetação reclamando seu espaço, na amazônia há fertilidade até nas frestas de uma velha igreja.
Grande Luiz Paulo, Lupa, em nosso abraço de despedida após a chegada dos pais da Ana. Lupa, um queridão! Nos recebeu de bike lá na Balsa quando chegamos, nos levou conhecer a cidade a pé, nos levou numa pedalada noturna com a turma, e foi como um irmão querido pra gente nestes dias em Belém! Valeu Lupa, e também muito obrigado a sua querida esposa Jô, um amor de pessoa também ela, por nos mostrarem sua cidade linda. Que vocês dois continuem estas pessoas maravilhosas que são, sempre unidos e felizes! Abraço grande.
Deixando Belém na carona do carro dos pais da Ana, flagramos o vendedor de Açaí e Bacaba voltando pra casa depois de mais um dia de vendas. Seria nossa despedida quase-difinitiva da iguaria nortista, o “Ouro Negro” da amazônia, Açaí…
Até o próximo post, galera! Obrigado por estarem viajando com a gente!