3 semanas de Carona – 1de3
Em Saltos de Laja esperamos ansiosos a chegada dos pais de Ana. Aproveitamos o lugar tranquilo e fora de temporada turística para conseguir um bom preço num camping. Dali a dois dias chegaram os mais novos viajantes aventureiros, justo para a hora do almoço.
Chegaram pontuais, as panelas ainda estavam quentes, mas acabaram esfriando até que nos abraçávamos bem apertado de tanta saudade. Mal conseguíamos comer, era tanta coisa pra perguntar,contar, muitos planos e idéias pra inventar para os dias que seguem. Neste dia os pais entraram na onda e montaram a nossa antiga barraquinha para eles, apesar de termos oferecido a nossa atual barraca para um melhor conforto, não aceitaram e se espremeram dentro da nossa antiga “toquinha do gugu”.
No dia seguinte até desmontarmos o circo e organizar nossos alforges no formato carona, pendurar as bicicletas com segurança na traseira do carro, e almoçar, já era tarde. Pegamos uma estrada que depois de um trecho seria de terra, mas que constava no mapa que nos levaria até uma cidade próxima ao Parque Conguillio, Lonquimay, gostamos muito deste parque e queríamos que eles conhecessem.
A estrada era longa e sinuosa, seguindo a margem um lago de represa, que estava com o nível bastante baixo, podíamos ver a marca da água muito mais acima, e muito bosque morto neste pedaço de lago seco. Seguimos e seguimos e cada pouco parávamos perguntar se a estrada chegaria mesmo ao tal lugar. Num certo ponto vimos um posto de Carabineiros, e paramos perguntar, pois a estrada estava ficando cada vez pior, mais estreita, mais íngreme, mais sinuosa e mais cheia de pedras grandes ou areia solta. O policial nos disse que era possível chegar, era só cruzar um rio sem ponte e perguntar à última casa para abrir a porteira.
Chegando ao rio, percebia meu pai muito preocupado, “Se o carro estraga aqui, não vai ter quem nos tire desse fim de mundo”, ele repetia. Então André subiu as canelas da calça e lá foi rio adentro verificar o nível da água e por onde seria mais tranquilo passar.
Com a porta aberta, olhando para o leito do rio cristalino, fomos cruzando o rio, minha mãe estava sussurrando algo, e percebi que na verdade ela estava rezando “Nossa Senhora, protegei-nos, Nossa Senhora, acompanhai-nos…” bem rápido e baixinho.
Podemos dizer que os levamos para uma verdadeira aventura, e eles não gostaram nada dessa experiência. Meu pai repetia, “Vocês são loucos, onde vieram nos trazer, estão acostumados que bicicleta passa por qualquer estrada, mas de carro é diferente, se estraga por aqui, não tem quem nos tire desse rio.” Eles estavam com medo.
Mas passamos o rio, deu tudo certo, comemoramos e rimos muito. Mas, nem 50 metros à frente da margem do rio estava a porteira, e a casa onde deveríamos perguntar para passar. A senhora muito antipática nos disse que era impossível, porque além de aquela, haviam 3 porteiras mais, e ela não tinha como ir na frente abrindo todas as porteiras.
Além disso teria que pedir autorização do seu chefe, o dono das terras. Foi um balde de água fria, depois da excitação em ter cruzado o rio com êxito. Mas ao mirarmos ao outro lado da porteira, nos demos conta de que foi melhor assim. A estrada já não era mais estrada, se não um caminho por onde só passavam os cabritos, mal se viam as marcas das últimas rodas que passaram por ali algum dia longínquo.
Cabisbaixos tomamos o caminho de volta. É claro que os policiais estavam rindo da nossa cara. Quando passamos de volta, eles já não estavam ali na frente rindo como antes, estavam pra dentro, escondidos. Rumamos a Santa Bárbara, com a intenção de buscar um lugar para passar a noite, pois obviamente chegaríamos tarde ao povoado, e não teríamos nenhum lugar para acampar. Sabe o que dizia nosso mapa, em letras minúsculas que consegui ler com a ajuda da Lupa? Que não se responsabilizavam por eventuais problemas causados pelas informações contidas no mapa.
No dia seguinte, meus pais estavam exaustos do dia anterior. Decidimos abortar a missão Conguillio e seguir pela ruta 5. Fomo conhecer os lagos, um roteiro mais turístico e desta vez pavimentado quase todo o trecho. Esta era a “aventura” que eles realmente estavam esperando.
Adoraram as paisagens e nos disseram que nunca imaginaram que tamanha beleza tão próxima, paisagens assim, a gente pensa que só existem “nazoropa”. Lago Ranco, lago Villarica, seus vulcões e montanhas nevadas, seus lagos de águas cristalinas, o entardecer é simplesmente maravilhoso nestes lugares, os mais lindos foram em Ranco e Pucón. Neste segundo, acampamos às suas margens, cozinhando à luz de lanternas uma deliciosa sopa vegana.
De Pucón fomos direto a Osorno, onde necessitávamos trocar o óleo do carro. O “pobrecito” pedia um pouco de gordura depois dos dias duros com estradas tão ruins, não está acostumado ao pancadão. Em Osorno provamos o Mote con Huesillos, delicioso! e seguimos rumo a Villa la Angostura, passando antes num mercado nos abastecer de paltas, já que do outro lado da fronteira ela custa mais caro. Subimos a montanha debaixo de um céu cinza, emburrado.
Queríamos chegar à Argentina, paisagem mais linda! Estavam as árvores todas rubras e o solo todo coberto de cinzas do vulcão que entrou em erupção em 2011. Lá de cima, podíamos ver as nuvens bem abaixo de nós, escondendo o Chile debaixo de suas saias. Do lado argentino, seco e céu azul.
Que vontade de sair do carro e soltar as magrelas para uma voltinha morro acima! Pena já ser tão tarde, já perto das 17h. Na aduana argentina uma surpresa. Não se pode mais passar com vegetais, o mesmo rigor que o lado chileno. Estávamos com o rancho feito para nossos dias acampando no Lago Vilarino. Que raiva! Então tratamos de fazer a família pagar mico na aduana.
Tiramos as comidas mais aparentes e tratamos de fazer um lanchão vegano-crudívoro ali na fila da aduana. Perguntamos se frutas cozidas podem passar e a resposta foi afirmativa. Dar comida pra aduaneiros nem pensar! Tiramos o fogareiro dos alforges de dentro da bagunça do porta-malas do auto, montamos o dito e botamos a gasolina pra queimar, cozinhamos nossas frutas para não jogá-las fora, já não cabia mais nada na pança.
O aduaneiro ria, simpático à nossa causa. “Mirá, somos ciclistas, já passamos hambre en el viage, no es posible para nosotros tirar comida en la basura, vamos intentar comer todo lo que podemos, hasta que la pança explota.” Então, no final das contas nem revisou o carro. Chegando em V. Angostura, nos demos conta que ficaram muitos tomates, cebola, e até um limão Tangaraense, do quintal da casa dos pais, permanecia no fundo de uma caixa de comidas. Que dia! Descansamos em uma confortável cabaña, por conta dos pais, claro, queriam se compensar porque um mico por dia já é suficiente, então nada de armar barraca em camping à noite para eles, lá fomos nós para a abdutora calefação.