9 dias de Trekking pela Quebrada do Alpamayo
Este relato será diferente dos outros que publicamos neste blog. Além de uma compilação do diário de bordo escrito logo após a volta do trekking, este post contará com algumas informações em mais detalhes para quem quiser se inspirar e ir pra esse canto do mundo. Serão 9 dias de caminhada, vamos lá?
Dia de Preparação:
Acordamos e já fomos logo ver com o pessoal que seria que faríamos de trekking. Nos decidimos pela rota de 7 a 10 dias pelos arredores do Alpamayo, quebrada del Cedro. Fizemos a lista de compra para comida para 10 dias, o que levou um bom tempo, fomos ao mercado comprar as gigantescas quantidades de tudo que precisaríamos para 5 pessoas. Parecia impossível ter que carregar aquilo tudo nas costas por tantos dias. A sensação era de estar fazendo papel de agência de tour de nós mesmos, estávamos bem empolgados! Depois fomos ver os equipos para alugar, mochilas e bastões de caminhada e um xerox do livro planeta solitário que tinha uma descrição sobre este trekking e um pequeno mapa meio confuso.
Não foi preciso fazer aclimatação, somente descansamos um dia para recuperar o cansaço da pedalada até ali e pra podermos ver aluguel de equipos, compra de comida, contato com família, etc. Já vínhamos enfrentando altitudes acima de 4 mil metros há praticamente três meses, então nenhum de nós teve problemas com altitude nesta caminhada.
Como já não levávamos mochilas, foi preciso alugar duas mochilas, André pegou uma 65L, cargueira, e eu peguei uma 45L, e também bastões de caminhada (um par para compartilhar entre os dois). Por consenso decidimos ir com apenas nossa barraca, sem o quarto caberíamos os 5 lá dentro com algum esforço(leia-se muito sacrifício). A lista dos mantimentos foi mais ou menos esta abaixo:
– 5kg de arroz
– 6kg de macarrão
– 5kg de amendoim tostado
– 5kg de uva passa
– 2,5kg de purê de batatas instantâneo
– 2kg de lentilha miúda
– 0,5kg de alho
– 0,2kg de café instantâneo
– 0,5kg de cacau em pó
– 1kg de maisena (café da manhã Ana e André)**
– 4kg de aveia (Café da manhã para os outros 3 amigos)
– 4 pacotes de molho de tomate
– 0,6kg de azeitonas
– Pães e bolachinhas de água e sal**
– 0,3kg Manteiga de amendoim**
– Sal
– Bolinhas de amaranto e açúcar**
– Coco tostado com açúcar**
– 1kg misto de damascos/figos secos/castanha do pará**
– As 2 pernas de Salame não são da nossa cota, só para os 3 carnívoros aí do lado…
** comidas que levaremos à parte do grupo, por nossa escolha dietética não incluir produtos de origem animal. O pessoal que vai conosco leva queijo cremoso e salame, além de algumas latas de atum e nutela. Nós ao invés disso, optamos por levar castanhas e frutos secos.
Como seria nosso primeiro trekking longo, não tínhamos experiência na quantidade de comida a levar. Tentamos calcular para mais, mas no final das contas açúcar, café, arroz e óleo foi de menos. Por grande sorte, na terceira noite, conseguimos um pouco destes ítens com o Vitor, no refúgio da Laguna Cullicocha. Menos o café, que fomos obrigados a começar a racionar a partir do 4º dia.
Dia 01.
Dia de partir, saímos sem muita pressa pois pretendíamos ir com calma nos primeiros dias. Pegamos os transportes até Caraz e de Caraz outro para Conay. Sempre tentam nos passar a perna os transportistas e queriam cobrar o dobro, alguns o triplo, do preço que o pessoal do hostel nos informou.
Decidimos procurar melhor e encontramos a senhora Rosário, uma taxista muito gente fina que dirigia com cautela e nos cobrou o preço justo, além disso nos levou até uma lojinha comprar o resto de mantimentos que faltava. Chegando em Conay depois de sacolejar nas estradas cheias de curvas e buracos, fizemos uns sanduiches na pracinha sob os olhos curiosos de crianças que estavam por ali. Seguimos caminhando até próximo ao povoado de Hualcayan, onde seria nossa entrada para a trilha propriamente dita, acampamos numa área gramada e plana ao lado de uma estrada pouco usada.
Dia 02.
A trilha começou! Acordamos ainda de madrugada para sair caminhando sem café da manhã e tentar evitar pagar a taxa da comunidade e a entrada do parque. Se passássemos lá muito cedo era grande a chance de não ter nenhum vigilante.
Só que nosso amigo Virgil passou mal a noite, provavelmente devido a algo que ele comeu no dia anterior, e seu passo estava sofrido e lento, parando a cada pouco para ir ao banheiro.
Mesmo assim, por sorte ou providência divina, conseguimos passar sem pagar nada e entramos trilha adentro. Paramos assim que possível para esquentar uma água para nosso café da manhã, e também para nosso amigo tentar recuperar um pouco das energias. Dividimos uma parte do peso que ele carregava entre todos nós, e seguimos a íngreme trilha que nos levou até a Pampa onde acamparíamos a noite.
Chegamos lá cedo, mas a ideia era essa mesma de parar antes para Virgil se recuperar melhor. Próximo ao lugar, há um canal com água que desce de glaciar e de uma laguna que está mais acima, ali nos banhamos na água congelante, mas por sorte o sol reinava quente e nos fazia recuperar os sentidos nas extremidades do corpo mais rapidamente.
Neste dia avistamos o belo vôo de um Condor duas vezes, fiscalizando o fundo vale abaixo de suas asas imensas, uma vez pela manhã, próximo das 8h, e um no final da tarde, já chegando as 18h.
Dia 03.
A subida continua ininterrupta. Chegamos no meio da tarde ao acampamento da Laguna Cullicocha, onde há uma casinha da empresa de energia elétrica que cuida do nível de água da Laguna. Fomos recebidos pelo simpático senhor Vitor, que nos abriu as portas e o coração, nos deixou dormir dentro de um quartinho, nos liberou o uso da cozinha, nos fez chá e nos fez companhia no resto do dia.
Ainda conseguimos carregar o celular e uma das câmeras nas baterias que o seu Vítor tinha. O entardecer foi magnífico na Laguna, tendo um paredão de montanhas refletindo os últimos raios de sol avermelhado sobre a neve.
Passamos muito frio com o vento, mas era impossível deixar aquela visão se desfazer com o tempo, sentados confortáveis dentro da cozinha do Vitor. Então enfrentamos o chamado da comodidade em nome de eternizar este momento em nossas memórias analógicas e virtuais sentados naquelas pedras frias.
Dia 04.
Ontem a noite chegaram dois franceses já pela noite ao acampamento. Um casal que fez toda subida em um dia só. Seu Vítor os acolheu também. Hoje pela manhã fizemos as contas de nossas comidas e vimos que pode ser insuficiente, então pedimos se o seu Vitor nos vender um pouco de açúcar, óleo e arroz.
Ele não quis vender então trocou tudo por umas barras de chocolate pequenas que os amigos tinham comprado. Hoje tivemos um passo a 4800 metros, não foi difícil pois já estávamos a 4600, então foi suave. Mas a descida foi imponente e íngreme.
Florin e Ali sempre na frente, desapareciam como que correndo sempre. Não sei aonde eles querem ir com tanta pressa, não confraternizam muitos momentos conosco, parecem que nem querem nossa companhia.
Virgile segue naquele bom humor de sempre, mesmo com a moita chamando ele ainda hoje. Fiquei chateada com o casal, estamos aqui a dividir fogareiro, barraca e comida com todos fim de carregar menos peso.
Durante o dia, os franceses ficaram pra trás, mas todos saímos no mesmo horário. Nós decidimos acampar num imenso plano ao lado do rio, ao fundo do vale. Hoje vimos pela primeira vez uma pontinha do Alpamayo, tão triangularmente lindo.
Acampamos vendo só uma brechinha dele. Quando já nos preparávamos para comer e entrar dentro da barraca e dormir, os franceses passavam ao longe pela trilha, andando na quase noite pelo estreito caminho. Onde vão esses loucos a estas horas? Quase não acreditei.
Dia 05.
Acampamento Base Alpamayo
O começo do dia foi tranquilo. Passamos pelo acampamento onde estavam os franceses, só a moça ficou por lá sozinha. Nós seguimos andando. Quando chegamos mais próximo do Alpamayo, Ali invocou que queria uma foto específica.
Lá foi seu companheiro montar tripé. Fizeram trocentas versões da mesma foto, nunca estava bom. Já estávamos ficando com frio parados tanto tempo, e depois de umas 5 posições da mesma foto, dissemos a eles que estávamos esfriando demais e iríamos seguir devagar. Ela explodiu numa expressão indignada, por termos desistido de ajudá-la a fazer a foto perfeita, simplesmente seguimos caminhando em nosso ritmo, logo eles nos alcançariam de qualquer maneira.
Chegamos numa encruzilhada e sem as mochilas subimos para ver a Laguna aos pés do Alpamayo. Lá em cima Florin se deu conta que uma das baterias da câmera deles acabou e a outra não chegou a carregar. Ficou num extremo mau humor. André disse que ficou com pena, mas fazer o quê, o tripé deles não dá na nossa câmera de amador pé de chinelo. Nada mais de fotos megaprodução nos fazendo passar frio…
Seguimos a íngreme trilha até o acampamento base, eles sem dar uma palavra, sempre disparados na frente, bem cabisbaixos. Sei que foi frustrante perder potenciais fotos maravilhosas, mas também não dá pra desperdiçar a oportunidade de estar num lugar incrível como este só por conta de uma falha técnica. Que desfrutem com os olhos, oras! Montamos acampamento cedo, foi como um meio dia de descanso.
Achei que foi um erro de planejamento do grupo ter concordado de dividir a maior parte das comidas a serem cozidas para jantar e almoço, pois é comum uns comerem mais que os outros, ou pegarem uma colherada mais de açúcar que o outro e isso, por mais pequeno que seja, depois de vários dias vai acumulando e cria um estremecimento entre todos.
É chato. Mas apesar do lugar ser lindo e selvagem, estamos todos em uma situação delicada, nossa condição aqui não é fácil, dormimos todos esmagados e mal, e sem um banho decente há dias, comendo comida mal cozida, porque aqui arroz e lentilha não cozinha direito, deveríamos ter trazido só purê de batatas, mas será que aguentaríamos a falta de sabor? Então a digestão e a ingestão de nutrientes já fica prejudicada, o humor vai lá embaixo.
Depois o dia inteiro é penoso, minha mochila imprópria pra esse peso que estou levando me machuca demais, não é acolchoada. Foi preciso enrolar minha segunda pele e meu fleece nas alças e na barrigueira, as dores são insuportáveis sem isso. Pois é, tudo é aprendizado. Quem sabe numa próxima viemos mais preparados.
Dia 06.
Pra mim foi um dia de semi-descanso. Pela manhã o pessoal decidiu ir para a trilha alternativa vai e volta até o “anfiteatro” do Santa Cruz Chico, mas a ideia era ir ao mirador do Alpamayo, só que não encontraram a trilha.
Fiquei descansando na barraca, lavei umas coisas minhas. Fui organizando a bagagem e curtindo um pouco de um momento raro nos últimos tempos, estar só comigo mesma, pensando sem ninguém me interromper os pensamentos.
Quando os vi voltarem pela trilha ao longe comecei a desmontar a barraca e guardar minhas coisas, iríamos descer ao acampamento onde estavam os franceses dia anterior, já ao pé da bifurcação para o outro passo de montanha que teríamos acima de 4800m (Gara-gara).
A descida não foi tão difícil quanto a subida, talvez porque pedi ao André para levar parte do meu peso de comida, assim eu sentia mais forças para firmar minhas pernas e menos peso me puxando pra trás. Mas André sofreu bastante com o peso extra e me senti mal por ter pedido isso a ele. Agradeci muito ao meu herói.
Essa noite me fiz de boba e não comecei a cozinhar, quero folga e o pessoal que se divida na tarefa. A hora que bater a fome eles vão começar a se mexer. Além de que, sempre que a gente cozinha eles reclamam da comida.
Isso dá nos nervos, a gente não tem opção aqui, não dá pra ser super chef a 4300 de altitude, nada cozinha suficiente e nosso combustível não tem que ser racionado. Depois sobra pra eu e André comer a comida de ontem e eles a comer os purês instantâneos. Eitcha Lele, hahaha…
Mas que nada, amanhã temos um passo que parece ser legal a fazer e isso me empolga bastante. Olhar pra fora da portinha da barraca também é um grande presente, Alpamayo estrelado em noite clara, mágico!
Dia 07.
O passo foi o mais difícil de todos, super íngreme e com fortes ventos que nos desequilibravam a cada passo, um pouco de neve acumulada pelo caminho dificultava a passagem em alguns trechos, estava frio. E o André com aquela sandália e meias, tinha que desviar da neve e ir pelas pedras, porque se não molharia os pés e eles congelariam rapidinho. Ventava demais!
Achei perigoso, mas confio na capacidade e força dele (Ps de André:Muito medo aqui, as pedras não param de rolar, estou quase indo com elas, calma, calma…), então consegui me acalmar e não olhei ele subindo. Quando alcançamos o topo, o pessoal já tava lá em baixo. Não dá nem vontade de comemorar ou fotografar, só dá nos nervos!
Puta vontade de descer logo dali, eu mal conseguiria segurar a câmera. Ficou sem foto mesmo. Foi muito difícil e esse vento quer nos derrubar no chão a todo instante. Não sei o que seria de mim sem estes bastões, André nem queria alugar eles, eu me desequilibro mesmo com essas muletas.
Este dia ainda tivemos mais um passo um pouco mais baixo, e daí descemos até as proximidades de um vilarejo minúsculo e intocado, apenas 4 casas muito simples, quase se desfazando, era Huilca.
Acampamos perto do rio, tendo a vista do outro lado do Alpamayo e seu gigantesco glaciar. Sem falar naquelas alpacas que parecem bicho de pelúcia. É impressionante a imponências destas montanhas.
A gente fica sentado na friaca babando, babando…Até que escurece e não se vê mais nada, aí a gente entra na barraca pra jogar uno e extravasar um pouco das picuinhas através do jogo, não é fácil conviver 24h por dia em tais condições.
Pelo menos jogando a gente ri um do outro sem nos ofender mutuamente, hehe fica tudo na esportiva e todo mundo descarrega as tensões.
Dia 08.
Huilca a algum lugar antes de Jancapampa
Erramos o caminho logo no começo do dia. Acho que andamos umas 2h a mais do que deveríamos fora do caminho. Graças ao GPS que o André baixou reencontramos a trilha, porque não dá pra confiar na informação do pessoal da vila, acho que eles nem sabem o caminho de verdade.
Tínhamos de ter perguntado “Para donde van los gringos?” e não ” Para donde es Jancapampa?” A trilha que pegamos depois foi loucamente íngreme.
Acho que só cabra consegue andar por ali, não sei como as expedições grandes fazem com os animais de carga neste trecho. Para descer do outro lado do passo foi ainda mais louco.
Era uma área de terra muito fofa e solta, além de ser íngreme pra dedéu, deu muito medo de descer por ali, mas respirando fundo e indo com paciência deu certo, era como descer uma duna, só que com aquele peso nas costas e um vento descomunal, calcanhares primeiro a afundar naquela areia. Depois do passo a descida foi bonita e não tão íngreme.
Descíamos em meio a uma graminha verde e florezinhas lilázes. A vista era de um oásis, muito verde e ao longe a laguna de cores escuras, vaquinhas pastando e cavalos soltos. Não há nenhuma casa por ali, apenas alguns animais vivem soltos, devem pertencer ao pessoal da vila lá em baixo. Que paz esse lugar!
Andamos mais umas horas até encontrarmos água para podermos então acampar. Acampados ao lado do riacho, logo depois da cachoeira que se origina da laguna lá em cima. Não dá pra ter certeza de onde estamos, porque pelo atraso não chegamos ao local que o guia do livro descreve.
Dia 09.
Antes de Jancapampa a Pomabamba
Tínhamos decidido na noite anterior que seguiríamos para Vaqueria, mesmo as distâncias no mapa parecendo absurdas e aumentassem dois dias na nossa jornada. Mas quando chegamos no ponto da bifurcação para Pomabamba ou Vaqueria, o Florin deu um “piti”, dizendo que para ele deu e que não queria mais seguir, que ele iria sozinho pra Pomabamba.
Paramos pra respirar e absorver a cena toda. Ele estava realmente chateado por não ter possibilidade de fotografar tudo aquilo. Acabamos decidindo voltarmos todos pra Pomabamba, eu particularmente estava bem cansada devido a mochila ser bem ruim e o peso pendurado pra fora me desestabilizar.
Além disso levaríamos pelo menos três dias e não apenas dois como sugeriria o guia do livro, até porque já estávamos atrasados do dia anterior termos pego o caminho errado.
Mas o vale de Pomabamba e o nevado que o circunda faziam a gente querer acampar por ali mesmo e seguir só no dia seguinte. Mas o cansaço era geral, cansaço de tudo.Seguimos caminhando até Pomabamba e isso já nos levou o dia todo.
Pegamos uma hospedagem mais ou menos bem de frente para a praça de armas, os meninos foram comprar batatas fritas e cerveja para comemorarmos o fim do trekking mais difícil de nossas vidas. Enfim alguma comida com sabor e cheia de gordura!
Dia 10.
Pegamos o ônibus em Pomabamba bem cedo de manhã. Foi o dia inteiro de viagem até Huaraz. Tivemos sorte enorme de não pagarmos o parque porque havia um controle de saída próximo de Yungay.
Por estarmos em um ônibus de locais e ser final de semana, os guardaparques estavam bem ocupados com carros de turistas particulares e nem pararam o ônibus. A estrada depois do passo ficou ainda mais louca do que já estava sendo. Além de ser quase tudo rípio, é bastante sinuosa e o despenhadeiro está sempre ao lado. Mas as vistas das montanhas da Cordilheira Branca compensam o esforço de sacolejar em um ônibus ruim.
Do alto do passo víamos as lagunas de águas azulíssimas lá em baixo, originadas pelo glaciar do Huascarán. A estrada aí ficou ainda mais estreita e a montanha super íngreme, deu trabalho pra construir essa estrada. Eu estava a todo momento tensa segurando forte no braço do banco, como se me segurando ali impedisse que eu caísse. É claro que em caso de algum acidente não sobraria nada de nós, seria como pisar numa latinha de refrigerantes, uma queda de alguns 3 mil metros pelo menos.
Mas a vista era impressionante, 3 lados de montanhas nevadas e no lado aberto a vista das lagunas de um azul que eu nem sabia que existia na paleta de cores da natureza. Lá pelas tantas entraram mais um grupo de turistas que vinha do circuito de Santa Cruz e nos avisaram que em Vacarias, onde pretendíamos terminar o trekking antes, há controle de guardaparques. Possível que terminando a viagem aí teríamos que pagar o parque.
Por sorte em Pomabamba não há controle nenhum, muito menos em Jancapampa. Chegamos vivos e cansados em Huaraz. Devolvemos o equipamento e só haviam dois quartos disponíveis.
Tiramos a moeda para ver quem escolhia o quarto e nossa colega resolver dar um “showzinho” porque ela queria o quarto com a cama de casal e tv.
O André foi quem mandou o foda-se desta vez já que ganhou na moeda, porque ele gostou do mesmo quarto e o preço era o mesmo, além de que tinha televisão e cheirava melhor, acho que ele já estava de saco cheio de ficar cedendo ao que o pessoal sempre queria.
Ele já tinha cedido a mochila alugada a eles, por ser mais confortável, mais nova, não quis causar confusão e trocou. Eles são gente boa, porém difíceis de lidar. Só o Virgile que ficou sempre numa boa, mesmo com todo aquele problemão de pança dos primeiros dias, deu tudo certo com ele e com todos.
Esta experiência foi maravilhosa. Preparando este post e resgatando trechos do diário de bordo, nossa vontade é de voltar agora mesmo para este lugar. Foi uma dura experiência, mas foi maravilhosa. O que mais pesou foi mesmo a mochila, quantas dores nas costas.
E também pesaram um pouquinho algumas coisas da convivência com o pessoal, já estávamos pedalando há dois meses com eles, 24h por dia juntos, tem horas que não dá pra segurar a cortesia mesmo.
Mas logo após um dia de descanso, mais bem alimentados, estávamos todos nos reunindo de novo pra tomar café da manhã e seguir para o Cañion del Pato, novamente com as bicicletas e com o baralho de UNO a postos!
Fomos a este trekking sem guia e um pouco sem noção, não desconfiávamos que os passos seriam tão íngremes. Da próxima vez teremos que ir com um par de bastões para cada um, pois estávamos esperando usar somente um cada um, e foi insuficiente, inseguro.
A sorte foi ter encontrado uns cajados de madeira pra improvisar ainda no início da caminhada. Outra coisa que mudaria numa próxima vez é em relação a mochila. Tivemos de alugá-las e não foi confortável por uma série de motivos.
Primeiro, não haviam muitas opções e acabou sobrando só uma mochila pequena pra mim, tive que levar muita coisa pendurada para fora, a mochila não tinha nenhuma sustentação e acolchoado nas costas, nem acolchoado na barrigueira, o que dava dores muito fortes na clavícula e trapézio, sem falar na lombar.
Outro fator foi a comida, o ideal pra travessias assim creio que são as comidas liofilizadas, como viajamos sobretudo de bike, não temos como adquirir isso em Huaraz, então levamos arroz e lentilhas. Este alimento não cozinha direito em altitude, por falta de opção teria sido melhor levar somente purê de batatas, come sugeri no início, mas o pessoal não concordou, alegando falta de variedade e de sabor.
Teria sido mais leve e teria usado menos combustível levar apenas purê instantâneo, ainda teríamos amendoim e frutas secas para complementar outros nutrientes. No final do trekking, sobraram muitas uvas passas e um pouco de amendoim.
Depois de uns dias já estávamos enjoados só com o cheiro daquelas bolachinhas de amaranto vendidas no mercado público de Huaraz. Café não sobrou, no último dia já não tínhamos mais, e vínhamos substituindo há alguns dias por cacau em pó para o caso de alguém ter dores de cabeça, usaríamos café de emergência.
Enfim, este foi um relato da experiência de ciclistas e não de montanhistas. Fomos aos trancos e barrancos mas deu tudo certo e não achamos o caminho arriscado demais, nem perigoso, tomando cuidado e mantendo a calma é um trajeto tranquilo.
Em todo o caminho encontramos com poucas pessoas, e isso foi o mais fascinante de tudo, depois das montanhas, é claro. Estar em um local onde a natureza ainda não virou comércio, e ainda está selvagem foi emocionante.
Avistar ao longe pequenas comunidades que só tem contato com a estrada mais próxima através de uma trilha de vários dias a pé é algo que nos faz pensar nesse medo que injetam na gente de estar longe da civilização, “E se algo acontecer, como chega o socorro médio a essas pessoas?”. Não acho que elas estejam preocupadas, é outra maneira de aceitar a vida e suas eventualidades. É o que a palavra já diz: aceitar!
Ai que vontade de voltar pra este lugar. Foi o melhor do Peru até agora. Gratidão a Mãe Natureza por esta maravilha, por este presente. Sou feliz de viver neste mundo, sou feliz em saber que ainda existem lugares assim nesse planeta Terra, ainda que sobrem poucos tão intocados.
- Trekking Quebrada Alpamayo a Los Cedros, Cordilheira Branca, Peru.