Adiós Bolivia!
Seriam nossos últimos dias na Bolívia. Saímos de La Paz rumo a El Alto a bordo de uma van coletiva maluca. Nos despedimos dos amigos da casa de ciclistas e colocamos as 4 bicicletas no topo do veículo, rezando pra tudo dar certo. Quatro bicicletas porque partimos na companhia de Galina e Florin, aquele casal que encontramos na Terra do Fogo, no segundo dia da primeira viagem de bicicleta deles. Seis meses depois, vários encontros por acaso depois, estávamos pedalando juntos.
Bom, voltando às bicicletas no teto da van…A cada solavanco da estrada, um aperto no coração, e nós pensando “Elas vão sobreviver, elas vão sobreviver!”. Chegamos até o aeroporto, mas não pegaríamos avião nenhum, nosso meio de transporte estava ansioso à nossa espera há mais de 15 dias. Montamos nas magrelas depois de engolir algumas bananas, e ao meio dia enfrentávamos o caótico trânsito de El Alto. A cada metro, éramos obrigados a frear bruscamente, pois alguma van estava parando para algum passageiro descer, e a melhor forma que eles encontram para fazer essa parada, é através de uma brusca manobra cortando quem tiver à sua direita, que nos inúmeros casos éramos nós, os ciclistas. Uma hora e meia depois, e se não me engano, 20 km de descida suave depois, estávamos completamente fora de El Alto. Mas não me entendam mal, os bolivianos não tiram finas de ciclistas, nem ameaçam sua vida, eles apenas se enfiam lentamente na sua frente, e também estouram seus tímpanos um pouquinho com as estridentes buzinas. Mas apesar de tudo, foi legal pedalar em El Alto, a concentração de pessoas vestidas tipicamente é alta, muito mais do que no centro de La Paz, há de tudo pela rua, vendedores de pipoca doce, de frutas, de roupas, de frango frito, de courinho de porco, de fetos de llamas, um gigantesco camelô sem fim. Mistura de cheiros, cores…
O dia rendeu uma bela pedalada, e mesmo tendo partido o nosso “bonde” depois do meio dia, chegamos para acampar às margens do Lago Titicaca. A luz do final da tarde estava linda, a temperatura muito mais agradável do que as que enfrentamos ao sul deste país, um prazeroso acampamento nestas terras sem cercas.
Dias depois, pedalando firme morro acima quase sempre, chegamos à outra Cobacabana, mas não sem antes dormir no topo do passo com direito à raios e trovões, chuva de granizo e neve. Mas aí de manhã apareceu o sol e uma cholita curiosa e simpática, e tudo ficou lindo de novo, estávamos com ótimo astral para chegar à cidade à beira do místico Lago. Encontramos lá uma hospedagem barata, e não se engane, mesmo que te prometam ducha quente, você não a terá, se conscientize de que banho por aqui só com água levemente morna. Alguns dias de descanso para seguir fazer umas trilhas pela Ilha do Sol.
Arrumamos toda tralha numas mochilas improvisadas, as bicicletas teriam que ficar, não há onde pedalar na Ilha do Sol. Como despachamos nossas mochilas em Salta, e não encontramos nenhuma para alugar, decidimos ir como desse. O André usou o toldo dobrado como uma mochila de cholita improvisada, e eu armei minha jaqueta impermeável, sendo os braços a alça da mochila, o restante tudo na mão ou meio pendurado de qualquer jeito.
Temos que dizer que a Ilha do Sol foi um pouco decepcionante pra gente. Não tínhamos muita informação e fomos com pouco dinheiro pra lá, pensando que acampando e levando comida não precisaríamos gastar muito. Mas, a cada comunidade que passávamos caminhando pelo caminho Inca, nos era cobrado um pedágio. No primeiro tudo bem, pensamos que era por conta de existirem ruínas na parte norte, nos falaram aí que seria o único, mas não foi. No meio do caminho há um outro pedágio, ainda mais caro, e na comunidade sul ainda mais um, o mais barato de todos. Fomos ficando sem dinheiro e sem ânimo. Além deste inconveniente de ter que pagar pra caminhar, estava difícil carregar toda a tralha de camping e cozinha desse jeito improvisado.
Dormimos duas noites na ilha, uma na praia norte, outra no topo de uma das montanhas com vista do lago de todos os lados, e também um extra, vista da Cordilheira Real majestosa. Ao acordar pela segunda manhã, um senhor que colhia galhos de madeira para seu fogo, decidiu que estávamos acampando em um lugar sagrado, especificamente aquele morro era um lugar sagrado, e por isso deveríamos pagar $5 bolivianos cada um e estaríamos perdoados de tamanho sacrilégio. Insistimos que não sabíamos que o lugar era sagrado, já que não havia nenhum cartaz ou altar nas proximidades, apenas grama! E que não tínhamos mais dinheiro de qualquer maneira, porque já havíamos gasto tudo nos pedágios. Então gentilmente despachamos o senhor dizendo que esperávamos que Pachamama nos perdoasse, que já estávamos de saída mesmo… Mas mesmo cometendo um pecado de acampar por ali, Pachamama havia nos presenteado um magnífico entardecer, uma noite estrelada maravilhosa, e uma macia grama para descansar nosso corpinho. Acho que afinal, Pachamama não estava tão brava com a gente, nos dando tantos presentes…
Na volta esperamos o barco, quando já dentro dele e zarpando de volta a Copacabana, vimos o casal de amigos argentinos chegando em outro barco. Abanamos pra eles e passamos a informação dos tais pedágios, eles também estavam todo improvisados como a gente e com ainda menos dinheiro, pois pensaram o mesmo que nós, acampando e levando a comida não precisariam gastar com mais nada. Depois nos contaram que deram um jeito de desviar dos pedágios quando viam de longe, faziam uma volta e saiam da vista da galera.
Bom, o balanço geral foi neutro sobre a Ilha do Sol, Ana acha que compensa, André diz que não voltaria a fazer o passeio por lá…mas vamos ao resumo: A vista é bonita, os lugares que acampamos foram tranquilos e as pessoas são bastante acostumadas com os turistas, assim que ninguém ficou nos chamando de gringos e as cholitas aceitavam ser fotografadas. Na parte norte é um pouco menos turística e a praia é sujinha, pois os locais deixam seus porquinhos por ali o dia todo. Tudo que é lixo orgânico eles comem, mas aí também deixam eles seus presentinhos no final da refeição, assim que não é muito recomendado andar descalço, e se você pretende acampar por ali, é bom vasculhar bem o lugar onde vai colocar a barraca. Ninguém se incomodou da gente acampar por ali, e o povo local abanava e cumprimentava. A parte sul já é bem mais turística, há a tradicional “escalera Inca”, uma escadaria rodeada de vegetação vigorosa e verde, cortada por um canal de água que vem desde o topo do cerro. Há muita oferta de hostels chiques e também mais ou menos, há onde acampar nos terraços gramados ao lado da escadaria, e ninguém se incomoda com isso. Mas com o turismo há também a exploração, muitas crianças pequeninas vendendo artesanatos, algumas acompanhadas com bebês alpacas para tirar foto com turistas em troca de algumas moedas. Quando paramos pra fazer um descanso no terraço gramado, fomos rodeados de crianças que curiosas, mexiam nas nossas roupas, nos nossos cabelos, faziam perguntas e queriam que comprássemos os artesanatos. Quando percebiam que não íamos dar nada de moedas, rapidamente se aproximavam de outro bando de turistas que subia as escadas. Tino para os negócios eles são obrigados a desenvolver desde cedo. Mas aí pensando nos custos, tem o barco de ida e volta, mais os pedágios, e mais ter que comprar a água engarrafada que é bem cara por lá. O que parece sair barato, acaba saindo caro e não há muita recompensa paisagística pela ilha em si, embora sim é interessante do ponto de vista cultural, muitos terraços de plantio, comunidades mais rústicas e amistosas.
Chegando de volta a Copacabana, as bicicletas estavam a salvo! Mas aí o tio do hotel queria cinco bolivianos a mais por pessoa alegando que o hotel estava cheio. Nos ofereceu um quarto ainda pior e não aceitamos pagar a mais. Depois de algum tempo de discussão, ele aceitou receber o valor que havíamos pago nos dias anteriores, e no final das contas percebemos que o hotel estava mesmo era vazio! No dia seguinte pegamos as bicicletas e partimos rumo ao Perú!
- Ninguém nos roubará as boas lembranças das experiências vividas.