De Lima a Huaraz. Ao encontro da Cordilheira Branca
Em Lima chegamos de ônibus. Não nos sentíamos preparados pra enfrentar o trânsito da Panamericana nos arredores dessa gigantesca cidade, mesmo estando em 4 pessoas, todos nós concordamos que seria o mais certo a se fazer então em Pisco procuramos uma empresa de ônibus, e pra nossa alegria, era do ladinho do hotelzinho onde pernoitamos. Chegamos no meio da tarde na capital do país e nos custou todo o resto da tarde para encontrar um lugar para ficar. Não havíamos feito reservas, e vimos as opções mais baratas e vantajosas irem se acabando, já que coincidiu com as férias norte americanas, os hostels de mochileiros estavam todos lotados no Miraflores, o bairro que nossos amigos nos disseram que era mais seguro ficar. Muitos deles não tem placa, para evitar impostos, então só é possível encontrar a localização deles na internet. Batemos de porta em porta em vão. Por sorte tínhamos a indicação do casal de brasileiros Tassi e Leo, de um hostel bem camarada no bairro Jesus Maria.
Passamos um pouco de sufoco para encontrar o lugar, já que a noite já vinha chegando e não é nada fácil encontrar um lugar em cidade grande em plena hora do rush. O casal amigo nosso estava mesmo querendo ficar no bairro miraflores. Para nosso bolso não dava, então insistimos em nossa posição, mesmo que eles não fossem conosco, nós iríamos para onde nossos amigos indicaram como sendo barato, limpo e seguro. Isso é o que importa. Chegando lá, todos famintos, víamos na cara deles a frustração estampada, mas nós não forçamos ninguém a nos seguir. No outro dia eles decidiram mudar de hostel, nós não tínhamos a mínima vontade de pagar aquele tanto só para estar no bairro mais turístico e bem localizado e num hostel com cozinha e com vista para o mar. Afinal seriam só dois dias e o que esperávamos de Lima era só conhecer o centro histórico e caminhar pela cidade, pegando transporte coletivo e conhecendo o modo de vida dos locais. E foi isso mesmo que fizemos e nos divertimos tanto!
Primeiro queríamos caminhar bastante pra ir treinando as pernas para as caminhadas que planejávamos fazer em Huaraz, nosso próximo sonhado destino, depois porque caminhando se sente a alma da cidade, se observa melhor como as coisas funcionam sem a preocupação com o trânsito motorizado, como quando estamos de bicicleta. Caminhamos até as pernas doerem, e nos dias seguintes tive que apelar pra remédios para a dor, porque me acordava no meio da noite com dores nos quadris, joelhos, parecia algo nos ligamentos e não nos músculos. Culpa dos crocs baratos que compramos no Chile. Chega desse calçado lamentável, fomos procurar umas sandálias decentes que servissem para caminhar e pedalar, mais sorte que juízo encontramos elas na promoção, que barbada! No Brasil esse preço seria impossível, aliás, seria impossível encontrá-las em qualquer lugar por lá.
Na volta da nossa grande caminhada não havia mais forças e o dia já escurecia. Resolvemos encarar uma van lotada de volta ao bairro Jesus Maria, sem ter nem ideia de onde estávamos, só sabíamos o nome da rua do hotelzinho e a referência de um supermercado. Ainda bem que as pessoas são lindas e adoram ajudar, porque depois descobrimos que aquela rede de supermercados está espalhada na cidade inteira e não servia como uma boa referência. Aí aquela senhorinha já perto dos oitenta anos, nos disse que ia pra lá mesmo, e decidimos confiar nela e aproveitar o louco e buzinado passeio pelas ruas de Lima na hora do maior movimento. Era saída de escola, de trabalho, hora da fome e todo mundo fica louco. Eu não sei como eles conseguem dirigir e buzinar tanto sem bater uns nos outros. É uma costura louca e nenhum peruano perueiro sequer dá uma raladinha na perua do outro. Nessa confusão e caos, tudo se desenrola e depois de uma hora e meia estávamos cozinhando champignons frescos no quartinho do nosso hotelzinho.
É assim tudo no diminutivo mesmo, porque era tudo pequenininho. Só os champignons que não, eram enormes e deliciosamente baratos! Nestes dias em Lima era champignon pra almoço e champignon pra janta, com arroz, com pão, puro ou com legumes…Acho que aproveitamos bem esse ingrediente em lugares onde ele é vendido a preço justo, menos de 3 reais a bandeijinha?!
No outro dia fomos cedinho para o centro histórico, queríamos visitar alguns museus baratos e outros gratuitos. Acabamos encontrando um museu por 7 soles(R$6) que incluía guia e visita ao subsolo da igreja, as catacumbas. Acho que foi o dinheiro mais bem gasto em museu da minha vida, adorei ver aquelas galerias sinistras cheias de ossos humanos e ouvir as histórias especulativas da guia. Também nesse mesmo lugar havia uma biblioteca dos sonhos, e conforme nossa guia, idêntica a do filme do Harry Potter. A coleção era toda de livros mais velhos que andar pra frente, originais e em estado de decomposição, o que dava aquele ar de túnel do tempo mórbido. Fiquei imaginando cenas de algum crime das histórias de Ágatha Cristie naquela biblioteca maravilhosa.
Andamos, andamos e andamos e encontramos um restaurante vegano Govinda bem no centro, desses que servem muito bem sem olhar a quem, chegamos cedo, de novo a sorte, porque o lugar lotou assim que deu meio dia. Parece que o pessoal local todo vem comer ali, comida saudável e barata. Por 6 soles(R$5) você tem salada, sopa, prato principal, sobremesa e chá digestivo, tudo uma delícia e com um garçom muito atencioso. Deu vontade de voltar no outro dia, só pra provar o menu diferente. Mas não rolou.
O que rolou foi um reencontro com o casal de amigos e com Virgile, o francês que conhecemos em La Paz. Seguiríamos todos juntos de busão até Barrancas, novamente pra evitar a PANAM nos arredores de Lima. De Lá seguimos pedalando serra acima, ao encontro da Cordillera Blanca. A expectativa era grande, era de muito entusiasmo, estávamos todos assim meio flutuando, a espera do grande encontro com aquele gigante coberto de grossas neves.
Em Barrancas tivemos mais meio dia de folga, fomos caminhar pelos arredores e finalmente vimos o Pacífico inundado de sol, porque em Lima estava sempre cinza. Encontramos os melhores bocaditos do mundo nas ruas de Barrancas, côco seco no açúcar, que pecado pecaminoso essa fonte de açúcar e gordura, ideal pra ajudar ciclista a subir morro. Então era justamente o que precisávamos e pedimos uns 5 pacotes pra tia do carrinho da cocada, que aqui não é chamado de cocada. Teríamos que sair do nível do mar e ir até acima dos 4 mil metros outra vez, para só então descer pra cerca de 3 mil metros, onde está localizada Huaraz.
Foram dias de subidas tranquilas, regadas a jogo de UNO nos intervalos de almoço. Os primeiros dias foram super quentes, ainda abaixo dos 2 mil metros. Logo a vegetação escasseou e começou novamente aquele capim seco. A subida seguiu sem nenhuma grande aventura, sem nenhuma paisagem assim muito legal, mas o que mais nos marcou foi a ajuda que recebemos quando mais precisamos. Na segunda noite, a pousada do vilarejo que viemos parar estava lotada, não teríam lugar para 5 pessoas, aí os policiais cederam uma casa que será a futura sede deles pra gente tomar banho e dormir, naquele trecho estava impossível encontrar campo para 3 barracas, nem para duas seria possível, as montanhas já estavam “íngridis” demais, nada de facilitar a vida de viajantes de bicicleta.
Na última noite antes de chegarmos a Huaraz, passamos por uma situação não muito amigável. Seguíamos eu e Ali na frente (as mulheres é claro, dando um banho de pedal nos 3 marmanjos), passando por uma das curvas de subida que corta um vilarejo. Ouvimos um casal dentro de um carro do outro lado da rua falar “Deveríamos roubar esses gringos”. Por certo pensaram que nós não entendíamos espanhol. Seguimos mais devagar e esperamos os meninos chegarem mais perto. Na curva seguinte, já fora da vista do casal, conversamos com os meninos o que tínhamos acabado de ouvir. Foi por água abaixo nossos planos de acampar no vilarejo seguinte, já que nos veriam em qualquer lugar que acampássemos, e mesmo se estivéssemos seguros, não seria essa a sensação em nossa cabeça depois de ouvir aquilo. O jeito foi seguir além do horário que estipulamos como bom para seguir, já chegava a noite e nada de encontrar. Até que vimos um restaurante bem simples, na beira do precipício, e também na beira da estrada. Explicamos a situação pra Dona Flor, e ela como uma mãe, nos recebeu no seu restaurante. Como maneira de agradecer a acolhida, todos pedimos um prato do menu. Os veganos foram de batatas cozidas, os amigos foram de pato e cuy, o porquinho da índia. Ainda cozinhamos alguns vegetais que havíamos encontrado milagrosamente em uma vendinha pouco antes, pra complementar as batatas peruanas, que já são deliciosas assim, purinhas mesmo.
No último dia de pedalanças, chegamos cedo em Huaraz. Depois do Passo a 4 mil e 300 metros, tivemos muita pampa e ainda algumas subidas com vento contra. Mas depois, foram só alegrias na veloz descida até Huaraz.
Mais sobre Huaraz no próximo post!
- Tá com calor? Lá vem o sorveteiro!