De uma hidroelétrica a outra pela Transamazônica
{Belo Monte – Tucuruí}
Trajeto: Altamira> Belo Monte do Pontal>Anapú>Pacajá>Novo Repartimento>Tucuruí: 476km
27/11/13
Chegamos em Altamira ainda antes do meio dia, tínhamos o contato de uma pessoa que nos receberia por lá. Assim que chegamos tentamos conseguir sinal, mas demorou a chegar a mensagem do nosso contato dizendo não poderia nos receber naquele dia.
Decidimos então sair da cidade, no meio do caos urbano, pedindo informações sobre como sair da cidade toda bagunçada por obras viárias e civis. Um rapaz se aproximou da gente e começou a nos fazer perguntas sobre a viagem, ele também estava de bike e com um saco de açaí fresco nas mãos.
Nos convidou para tomar um ali na frente, em sua bicicletaria. Como não aceitaríamos?! Conversando com ele na oficina de sua bicicletaria, contamos a história do desencontro com nosso contato. Prontamente ele ofereceu um quarto vazio da casa, ao lado da oficina, para passarmos a noite. Como já era final de tarde, aceitamos o pouso!
Pagar caro nunca mais?! WTF?! Propagandas bizarras, aliás, qualquer propaganda de funerária é bizarra! Bemvindos a Altamira!
Mais uma família que nos acolhe para uma noite segura. Valeu Geidson e família, pela hospitalidade em Altamira!
28/11/13
Geidson foi quem nos deu essa mãozinha em Altamira, e como se não bastasse a imensa ajuda em nos alojar por uma noite, começou a fazer contatos com seus amigos até encontrar pessoas que pudessem nos receber nas cidades vizinhas.
Geidson faz parte da Igreja da Vinha, e nas cidades seguintes haviam sedes da Igreja e pessoas que tomavam conta do lugar. Foi assim que tivemos todo apoio de uma senhora muito amorosa e simpática no povoado de Belo Monte do Pontal, dona Zica.
Após um banho de caneca no banheiro improvisado da casa, nos foi oferecido um delicioso arroz com feijão que repousava no fogão. Aceitamos com alegria aquela oferta generosa de solidariedade a nós, estes completos estranhos.
Esta senhora em nenhum momento nos fez perguntas, apenas nos recebeu com um abraço apertado como se fôssemos de sua família, sem se importar com nosso estado lastimável de suor e cansaço. Abriu as portas de sua casa para nós com uma confiança inacreditável, ela nem ao menos sabe nossos nomes!
Enquanto tomávamos banho e almoçávamos, ela voltou ao trabalho na escola ao lado, deixando a casa totalmente conosco. Ao final da tarde nos acomodamos entre os bancos da sede da Igreja da Vinha, e descansamos como a muitos dias não descansávamos.
Pode parecer estranho que sempre paremos por volta do meio dia para pernoitar em algum lugarejo, mas é que por aqui saímos antes dos primeiros raios de sol devido ao calor intenso.
Nesta hora, já temos geralmente completos 3, 4 ou 5 horas de pedal, mais os intervalos de lanche e pequenos descansos. O resto da tarde usamos para recuperar as forças para conseguir nos despertar antes das 4h da manhã.
Mais bizarrices. Construção da Usina Hidroelétrica de Belo Monte, em Belo Monte do Pontal.
Árvores de metal, elas começam a dominar a paisagem nas margens da Transamazônica no Pará.
Máquinas imensas usadas nos canteiros de Obras da UHE de Belo Monte.
Repetição de máquinas, lendas e promessas não cumpridas.
O rio Xingu em sofrimento
Em Belo Monte do Pontal ouvimos os relatos de dona Zica sobre sua família que mora em uma ilha no meio do rio Xingú.
Seu pai tem plantações de Cacau lá e alguns animais de criação. Eles estão para ser desalojados das terras e estão querendo indenizar R$30 para cada pé de cacau produtivo, árvores que levaram alguns anos para começar a produzir.
Mas o que é mais triste não é o baixo valor da indenização, e sim o fato de terem de deixar uma terra fértil e que lhes dá sustentando, e mais que isso, que amam tanto, onde até então tinham paz e sossego, trocando tudo isso para ir viver em algum outro lugar mais distante dos familiares, pois tudo próximo da Hidroelétrica subiu astronomicamente os preços.
A consequência é que membros de famílias inteiras são forçados a se separar e ir viver distante uns dos outros. O preço pago pelo progresso, pela dita energia renovável.
A casa é pequena e simples, mas o capricho e organização são um espetáculo, sem falar naquela comida boa prontinha no fogão!
Não importa o credo, a cor, a origem. Fomos bem recebidos na Igreja da Vinha.
29/11/13
Chegamos em Anapú novamente por volta do meio dia, o calor era fortíssimo e passava um vendedor de água de coco, geladíssimas. Tomamos um coco cada um em poucos segundos, tamanha a sede, e seguimos a procura de uma escola para tentarmos pouso.
Já conseguimos na primeira. Nos cederam uma sala de aula que não seria usada no final de semana e conseguimos autorização para descansar um dia a mais por ali. Tínhamos sinal de wifi na escola, privacidade, só não chuveiro.
Mas conseguimos um balde onde tomávamos banho e também lavamos nossas roupas. Para nós, uma hospedagem muito luxo! Antes de nos instalarmos, fomos aos mercadinhos em busca de açaí.
Mas só encontramos bacaba, algo tão delicioso quanto açaí mas menos conhecido! Nos esbaldamos em dois litros de bacaba para o almoço.
30/11/13
Queríamos descansar só mais um dia, mas nos atacou a garganta, aos dois! Consequência dos açaís congelados dos dias anteriores e ajudado por aquela água de coco de ontem.
Perguntamos se teria problema passarmos também o domingo a noite por aqui para estarmos mais recuperados. Hoje minha vontade era só de dormir e dormir, dores no corpo como começo de resfriado.
Jura? Pegar uma dor de garganta e resfriado justo no meio da amazônia?! Parece piada depois de mais de um ano enfrentando temperaturas inferiores ao do inverno catarinense nessa viagem…
01/12/13
Suspeitamos que estamos os dois gripados ou resfriados. Então ficamos naquela preguiça, debilitados e não conseguimos fazer muitas coisas além de zapear pela internet e lavar as roupas mais urgentes. Passamos a tarde a assistir vídeos de outros ciclistas viajantes, já que não tínhamos a mínima vontade de pedalar nós mesmos.
Não consegui fazer postagens para o blog, nem colocar muito conteúdo atrasado por aqui. Me sinto meio culpada por isso, porque poderia aproveitar o dia de descanso e a wifi para algo útil também. Mas quando o corpo não está se sentindo bem o cérebro não funciona direito.
O melhor mesmo é repousar e deixar o corpo se recuperar sozinho tendo o seu tempo. Melhor não forçar e descansar. Por isso os relatos diários deste diário de bordo vão ficando atrasados e sendo escritos muitos dias, ou semanas, ou meses depois. Gosto de estar em um local calmo e silencioso quando escrevo nossos diários de bordo e relatos.
Eu preciso estar prestando atenção ao que o coração diz a respeito de cada experiência que vamos passando, me faz bem tirar este tempo para refletir sobre o que nos passa na estrada. Assim escrevendo eu consigo revisitar as experiências que passamos e organizar algumas ideias.
Mesmo tendo o dia inteiro pra pensar na vida, ainda assim me escapa a compreensão total da sequência de acontecimentos, o que tudo isso significa e representa.
Mesmo o tempo passando a outro ritmo do que tínhamos quando vivíamos em meio a estudo e trabalho vivendo na cidade, as vezes a sequência dos fatos no desenrolar da viagem também meio que atropela nossa compreensão.
Só sei que essa vivência está nos enriquecendo de aprendizado, desse jeito parece que vamos ficando mais tolerantes com as pessoas e com o que acontece conosco, também com nossas próprias fraquezas.
Escola de Anapú que nos acolheu por 3 noites. Sala de aula virando nosso muquifo por uns dias. A barraca é só por conta dos mosquitos que não nos deixam em paz quando a tarde cai.
02/12/13
Dia intenso, mas que rendeu pedal. Foram quase 80 km e chegamos bem perto de Pacajá.
O dia de hoje foi quente demais, tão quente que fritou meu cérebro e comecei a pensar coisas que não são bem acolhidas quando se diz na lata. Passamos por duas escolas e passamos bem perto da realidade dos estudantes rurais de nosso país.
Saímos de Anapú e pegamos grande trecho de estrada de chão e alguns pedaços de asfalto. Fomos achar um descanso quando avistamos uma escolinha fechada bem na beira da estrada.
Já havíamos percorrido 50km e ganhado algumas mangas de um senhorzinho. Comíamos mamão e demos um pedaço pra ele, no ato vão de tentar retribuir à altura.
Mas ele não esperava retribuição nenhuma ao oferecer aquelas mangas pra gente. Mesmo assim aceitou o pedaço de mamão, estava mesmo doce e delicioso.
Na escolinha esticamos nossa rede e deitamos, pensando que estaria desativada, já que a poeira tomava conta e algumas cadeiras estavam jogadas pela varandinha.
Quando já pegávamos no sono encosta o ônibus escolar e 3 crianças de uniforme descem. O que mais temíamos aconteceu e nosso cochilo de meio de dia foi pras cucuias.
Mas não tem problema. Tiramos a rede e ficamos de papo com um dos meninos, mais velho que os outros. Ele muito curioso, parecia entender de bicicletas e de subir em açaizeiros, coqueiros e outras coisas da roça.
Porém, depois que a professora simpática chegou, entendemos que ele é um péssimo aluno e que não gosta de estudar, porque constantemente é chamado à atenção.
Como assim? Um garoto esperto e que sabe de tantas coisas… Algo está errado com a educação formal em nosso país. A decoreba impera e percebemos isso enquanto descansávamos e a aula rolava lá dentro. Decorar multiplicação e classificação de terminações verbais. Tudo isso que eu e André admitimos que já esquecemos depois do vestibular e que não faz diferença nenhuma na nossa vida hoje.
Porque saber se o verbo amar é da primeira conjugação que termina com “ar”, assim como decorar, memorizar, cansar e detestar? Não sabe a professora que para ser feliz e viver não é preciso saber que estes verbos são da segunda classificação “er”?
Esse jeito de ensinar coisas irrelevantes que se sistematizou na nossa sociedade. Ouvi uma das crianças dizer “Eu não quero ser doutor, fessora!”, depois de ela ter repreendido o menino por não ter respondido corretamente o que era um nome próprio e o que era um nome comum. Ninguém pode errar.
Se erra leva um chingão na frente de todo mundo, humilhação pública, e se demorar a responder, pior ainda, mais cresce a tensão e a professora apressa “Anda logo Fulana, diga um verbo da terceira classificação, rápido! Não tenho o dia inteiro!”. Esse momento nos fez pensar a tarde toda. Porque as coisas tem que ser assim? Sob pressão, com tanta cobrança?
Estudar é tão bom, aguçar a criatividade, porque se desvirtuou o objetivo da educação? Hoje somos formados em escolas que querem nos jogar direto para um mercado de trabalho, não passamos de um tipo de mercadoria!
Porque essas crianças que respiram ar puro, fazem exercícios subindo em árvores, comem verduras frescas da horta e correm no mato, precisam ouvir que pra crescer na vida é preciso ser alguém, e ser alguém não significa ser eles mesmos, mas sim ser um doutor, um engenheiro, um dentista, um professor.
Porque ser agricultor, ser feliz, estar em paz é igual a não ser ninguém e fracassar na vida. Vencer na vida é viver na cidade, ter um emprego, obedecer ordens de alguém ou obedecer ao dinheiro quando se é patrão de si mesmo, é respirar ar poluído, é reclamar do estresse, é ficar no congestionamento preso, mesmo que o carro seja novo. Uma imagem equivocadamente glamourizada de sucesso.
Eu não acredito que ainda sigam esse ideal fracassado e falho de uma vida de “sucesso”. Eu quero não acreditar que seja verdade que as pessoas acreditem nisso. Mas eu estou vendo com meus próprios olhos as pessoas acreditando piamente que a realidade delas não é boa o suficiente, que o bom é o que passa na televisão, e só é verdade o que a Rede Esgoto de televisão disser que é.
Porque pode faltar geladeira e ventilador, banheiro e água corrente nas casas, mas não falta televisão nos quatro cantos do país. Bom não é o que você tem, o que você vive, a sua realidade. Bom é o que você não tem, o que você deseja mas nunca terá. É isso o que a mídia televisiva transmite, e que a sociedade como um todo absorve e replica pras crianças.
A varandinha da escola onde tentamos cochilar em nossas redes, fugindo do sol do meio dia.
Mas aí quando íamos saindo de mansinho, nos despedimos da criançada e da “fessora”, mas eles pediram pra contarmos um pouco mais da viagem antes de seguirmos.
Ficamos por ali mais uns 20 minutos falando de nossas andanças. A professora perguntou se Santa Catarina era no Paraná. Não pude crer, tentei disfarçar minha decepção com a simpática senhora. Justo ela, ela mesma que estava ralhando com o menino por ele não ter estudado em casa e não ter feito a tarefa, que a leitura dele estava “péssima, péssima”?!
Mas pode professora não saber os Estados do seu país decoradinho? Acho que a professora faltou nessa aula, também nem havia um mapa do Brasil na sala de aula. Além do mais, o sul é tão longe daqui. Nem eu sei o nome de todas as capitais de todos os estados do Brasil, antes tão distantes de mim.
Ainda bem que me coloquei nessa enrascada de ir andando pelo mapa de bicicleta e aprendendo na prática cada capital dos estados por onde passarmos, mesmo que eu tenha preferência por pequenos vilarejos, aqueles que 99,99% da população brasileira nunca ouvirá falar que existe e onde encontramos as pessoas de coração mais enorme do mundo.
Nunca ouvirão falar, a não ser que uma megalomaníaca hidroelétrica se instale polemicamente nesta região, ou que uma freira bem-feitora seja assassinada, o sul do país nunca teria ouvido falar de Altamira, Anapú, Tucuruí… que dirá então de Pacajá, Rurópolis, Uruará, Novo Repartimento, Belterra, Breu Branco e Medicilândia!
Contando histórias pras crianças da escolhida nas margens da rodovia.
Seguimos caminho. Nos acolheram no final do dia na escola rural de ensino médio, que fica a 4km da cidade. Aqui os adolescentes moram por 15 dias, tem aulas pela manhã, tarde, e mais em noites alternadas. Depois ficam 15 dias em casa.
Aqui aprendem também o curso técnico agropecuário. Cuidam da horta e do viveiro, limpam a escola e ajudam a cozinhar. De vez em quando fazem visitas a outras fazendas e tem mais contato com os animais introduzidos artificialmente neste clima impiedosamente quente.
Enquanto montávamos nosso acampamento, devagarinho e acanhados, porque já perderam a espontaneidade da infância, vinham chegando mais perto até surgir o primeiro corajoso a perguntar, aí então o papo rola solto e perdem o medo de ser curiosos ou fazer perguntas.
Depois de deixar eles perguntarem um pouco, fomos nós enchendo eles de perguntas sobre a escola. Era realmente uma escola bem interessante, e ensinava muitas coisas que eles gostavam de verdade, víamos o brilho no olhar deles, e o orgulho em estarem contando sua realidade para nós.
Hoje o dia foi cheio de novos significados pra gente. Tivemos o presentão de poder conhecer estas faces da educação em nosso país. Nem uma, nem outra com menos esforço.
Em todas as duas situações pudemos ver pessoas interessadas em dar o seu melhor, mas lhes faltam algumas ferramentas e certo apoio do governo e da própria família dos alunos. Os pais devem pensar que a escola, que a cartilha, é que sabe o que seu filho deve aprender pra vida, e deixam de se envolver e percebem que agora tem uma preocupação a menos, e que na parte da tarde, ou por 15 dias, estão de férias dos filhos! Claro que nem todos os pais são assim.
Muitos apreciam a companhia dos filhos, mas é que precisa ter muita paciência e muita energia pra acompanhar o ritmo da molecada. As vezes é mais fácil mesmo passar um tempo sem eles perturbando pela casa a exigir sua atenção.
Não os culpo, nunca fui mãe, não sei como é isso de ter uma pessoinha cheia de energia a exigir que você brinque com ela a tarde toda, quando o que você “TEM” a fazer é mais importante, tipo deixar a casa limpa e manter a horta. É que muitos pais não envolvem a criança nestas tarefas porque não vêem a importância que é envolver a criança nestas atividades JUNTO com elas. Sim, criança tem que brincar.
Mas já percebeu quantas crianças gostam de brincar com água, de lavar a louça de brinquedo, brincar de revirar a terra e se sujar as mãos, porque não fazer do dia-a-dia uma brincadeira? Imagino que elas possam se interessar se você dar atenção a elas. É claro que se você tiver uma televisão elas vão ficar sentadinhas e quietas e te deixarão em paz até o intervalo dos programas. Mas aí a coisa pode não ficar boa depois de uns anos.
03/12/13
Este dia foi chato e sem grandes acontecimentos. Só aquele esforço desumano de seguir debaixo do sol quente pela poeirenta estrada. Tivemos um começo de dia muito difícil, apesar de termos começado bem cedinho. Tivemos uma sucessão de ladeiras muito complicadas. Passamos a famosa Ladeira da Velha, uma inclinação absurda que há anos vem tentando ser amenizada com ajuda de máquinas. Muitos se acidentam ali. Passamos por um carro carbonizado no meio da estrada, uma pena não podermos fazer uma foto, porque tínhamos que sair logo daquela curva, o movimento era intenso demais.
Parecia que fazia muito tempo que estava ali o carro tombado, mas depois nos contaram que tinha sido na noite anterior e que o guincho ainda não chegara para removê-lo. O local é mesmo de poeira fina que tinge nossa cara e nossas roupas. Você pisa e parece talco tinto de vermelho. Mas é terra! O perigo é grande quando somos escondidos pela densa nuvem marrom por alguns segundos.
Dez e meia, encontramos um posto de gasolina, decidimos descansar ali e cozinhar um arroz. Nos lavamos e lavamos um pouco as camisetas, teríamos um pedaço de asfalto. Tinha poeira virando argila com o suor pelos nossos pescoços. Ficamos por ali um bom tempo, até julgarmos o sol menos forte. Era quase 15h e ganhamos umas mangas antes de seguir.
Só conseguimos percorrer uns poucos quilômetros, não rendeu. O restante do dia não tivemos muitos acontecimentos tampouco. As vezes é assim, um dia cheio de revelações e coisas pra pensar, e outros tantos monótonos em que nada extraordinário acontece. Aliás, como na vida mesma.
André começou a limpar as correntes e…
…foi em vão. A poeira era tão fina que parecia talco. Começo das subidas antes da famosa Ladeira da Velha. Eu acho que se chama assim porque é uma velha história de que vai sair o asfalto ali, mas que há anos está somente em obras.
E o dia tava só começando!
Passamos por uma entrada de travessão, havia uns bares, paramos, comemos algumas mangas, tomamos água gelada, nos refrescamos um pouco e seguimos com a indicação de que haveria uma escolinha dali a 5km, mas que a entrada para Maracajá estava a 25km, muito mais do que nosso errôneo mapa dizia. Não chegaríamos lá hoje de qualquer maneira.
Ficamos na tal escolinha, mas descobrimos com os moradores que era agora uma igreja. Não foi possível saber de que religião. Enchemos uns baldes na casa ao lado, para tomar um banho no altar da igreja, aproveitando a água para tirar o pó encrustado do local onde pretendíamos montar nossa casinha.
O local escolhido foi justamente o altar, pois por ali havia mais fluxo de ar e brisa da janela. Com dois baldes tomamos banho os dois e lavamos o chão da igreja todinha. Já fizemos nossa boa ação por nos acolherem por aqui, tiramos a poeira do chão para que no dia seguinte os fiéis usassem o local com maior tranquilidade.
Isso serviu também pra refrescar um pouco o chão, já que o local pegava o sol em cheio o dia inteiro, sem nenhuma árvore ao redor para fornecer refrescante sombra. Ali dentro era uma sauna. Logo depois do banho, já estávamos suando outra vez.
04/12/13
Escuro, o despertador toca. Antes do sol nascer já estávamos na estrada. Vimos aquela bola de fogo se levantando, vermelhão no horizonte de árvores esparsadas. Mesmo com a intenção de aproveitar pedalar forte enquanto o dia ainda é fresco e temos disposição, aquela cena nos fez parar e contemplar.
Mais um amanhecer na floresta amazônica que o homem insiste em depilar. Pasto, pasto e mais pasto. Somente algumas árvores de castanha e palmeiras ao longe faziam o contraste com a luz do grande astro rei, aquele que vem trazer a beleza do dia mas também o sofrimento aos ciclistas que se aventuram com bagagem e tudo o mais por estas estradas.
O sol deu o seu recado, já nos passava a mensagem que hoje ele não estava pra brincadeiras. Para ficar ainda melhor, o trajeto não incluía comunidades a cada 10 ou 20km, o que nos trouxe sérias dificuldades em encontrar sombra na hora em que geralmente fazemos nossa pausa, das 11h até as 13h ou 14h. O jeito foi forçar as pernas pra chegar logo em Novo Repartimento.
Chegamos por volta das 12h por lá e nos encostamos atrás de um posto de gasolina, o primeiro que vimos pela frente que oferecia uma sombra discreta para descansarmos e pensar qual seria nosso próximo passo.
Ficamos um tempão por ali. Inércia. Pressão baixa. Calor demais… Só deu coragem de sair no sol novamente depois das 15h. Fomos atrás de um açaí e lugar para ficar. Começamos a procurar por escolas. Encontramos duas encostadinhas. Tarefa do André sempre entrar e conversar para conseguir alguma permissão para pernoitar por ali, enquanto eu vigio as bicis. Nada feito. Diretores ausentes.
Amanhecer na Transamazônica. Note que as árvores estão esparsadas para dar lugar às pastagens.
Varal ambulante e mangas. É só parar em frente a uma casa e pedir permissão para coletá-las do chão. Essa colheita rendeu umas belas 12 mangas pra levar pra viagem.
Um dos trechos onde se é possível ver mais densa a vegetação, muito embora predominem estas palmeiras que se utiliza a palha nos telhados das casas.
Foi então que, aproveitando mais uma sombra, desta vez no colégio, fizemos nosso lanche de açaí com rapadura. Nisso a vice-diretora, Teresa, junto com a dona Lucila, se solidarizaram do nossa carcaça sugismunda, sem eira nem beira.
Dona Lucila ofereceu sua casa, seu quintal, sua cozinha, onde mais nos sentíssemos bem. Como recusar a oferta generosa de uma senhora simpática como ela? Nem pensamos muito e agradecemos, é claro que aceitamos. Lá fomos nós descendo a ladeira rumo à casa da Dona Lucila. Ela mora com a neta de 13 anos, Alice.
O marido vive no sítio, onde produz cupuaçú, a 50km dali, porque as terras deles que eram mais próximas, foram compradas há anos atrás pela hidroelétrica de Tucurí, suas terras alagaram. Até hoje não foram indenizados por completo, sem falar que o sítio teve que ir pra muito longe, com acesso muito precário por uma estrada péssima da qual já tivemos o desprazer de pedalar , a “Ladeira da Velha”.
Este é um difícil caminho e muito perigoso para veículos à motor. Muitos acidentes acontecem ali pela dificuldade do relevo e obras que custam a terminar. Ouvindo histórias, nos instalamos na varanda da dona Lucila, só por ser mais fresco, mas poderíamos dormir num dos quartos vazios, pois os filhos já são casados e moram em suas casas, não foi por falta de convite. Compramos uma polpa de cupuaçú que a dona Lucila faz e vende.
Uma delícia de polpa artesanal, feita com as mãos e o coração. Nos sentimos como na casa de uma tia da família! Tem pessoas que tocam nosso coração e mechem com nossas emoções, tão grande a generosidade e coração aberto, a confiança, a fé e a falta de medo. São pessoas assim que estão livres para se entregar nas mãos de Deus, vivem em paz, com segurança no futuro, porque sabem que não precisam de muito, e do que precisarem Deus colocará em seu destino na hora certa. São pessoas assim que sempre tem nos acolhido de braços abertos em suas casas aqui no Norte.
E isso é muito comovente, torna as despedidas na manhã seguinte muito difíceis e deixam os olhos marejados de lágrimas. Sabemos que pouco podemos fazer por eles, são amigos que muito dificilmente tornaremos a ver. Pessoas que gostaríamos de manter contato com mais frequência, mas isso não está ao nosso alcance devido à escolha desta vida nômade.
São pessoas que nos comovem pela história de vida, que em poucos minutos de conversa já nos contaram anos e anos de trajetória, batalhadores de nosso país, muitas vezes maltratados pela condição em que nasceram ou que as circunstâncias fizeram chegar, mas que não deixaram de buscar pelo que sonharam um dia.
É difícil sair dali na manhã seguinte, o fato de não sabermos mais como vai ser a vida de dona Lucila e sua família … Só sabemos uma coisa, elas tem confiança que tudo dará certo ao final de cada dia e assim vão vivendo. Assim como nós também, ao final de cada dia sempre encontramos um local seguro para descansar, e o dia seguinte é sempre um aprendizado lindo, e vez ou outra cheio de presentes que a natureza e nossos novos amigos nos dão de graça, sem esperar nada em retribuição.
Dona Lucila e sua neta que nos acolheram em sua residência em Novo Repartimento.
05/12/13
Que dia! Hoje podemos dizer isso em voz alta e daquele jeitão bem louco “Que diiiiia!”. Tudo começou com um sucão de cupuaçú e a despedida da Dona Lucila. Depois veio aquele poeirão levantado pelos caminhões pesados e gigantes na estreita estradinha de terra que nos levaria até Tucuruí.
Paramos quando vimos uma mangueira generosa despejando pela terra os frutos maduros no quintal de uma casa. Parada estratégica pra fazer um lanchinho e o menino nos olhou com um sorriso branco e simpático lá da casa. Não perguntou nada, só nos observava com aquele sorriso que não era de gozação com a nossa cara suja de pó, nem das nossas roupas e chapéus estranhos.
Era um riso como quem diz “Olha isso, que doidera! Deve ser muito legal viajar assim…” Mas ele ficou num banquinho longe, só nos olhando com aquele sorrisão que dizia tudo. Comemos e nos lambuzamos nas mangas que um dia este menino já deve ter se lambuzado. Acho até que essas mangas ele já está é enjoado. Quando partimos ele abanou empolgado e nos desejou boa viagem. Obrigado menino!
Região alagável pela represa de Tucurí. Como estamos no tempo de estiagem, o vale seca e dá lugar a uma estranha camada de grama verde fosforecente.
Pedalamos sem parar e sem parar. O dia estava levemente nublado e o vento ajudava a refrescar. Parávamos quando víamos pelo retrovisor grandes veículos, que com sua velocidade absurda cuspiam poeira na nossa cara e nos ofereciam risco de vida gratuito.
Quando um grande vinha, jogávamos nosso veículo pequenino pro mato ou pra vala mesmo, e esperávamos a nuvem grossa baixar, para então seguir, e finalmente respirar. Não vimos mais nenhuma casa, nenhuma vila, nenhum nada.
Só carros que passam pra lá e pra cá naquela pressa que eu não entendo porque tem que chegar tão rápido. Porque não saem mais cedo?
A poeira e o movimento era tanto de Novo Repartimento para Tucuruí que logo na primeira meia hora de pedal a bicicleta já ficou com essa camada grossa de pó.
Foi então que na falta de sombra paramos tomar água no sol mesmo, nisso um caminhão parou e nos ofereceu água, e bem quando a nossa estava acabando. Não perguntou nada, nem de onde éramos, nem pra onde íamos. Que raro! Só nos ofereceu a mão de um anjo, a boa ação dos homens.
Nos disse que há 3km havia um assentamento, e a 11 ou pouco mais para adiante do assentamento estava a vila da hidroelétrica. Paramos no assentamento porque havia uma casinha com sombra. Pedimos água e vimos uma horta incomum. Organizada, diversa, regada, parecia um jardim com requintes paisagísticos.
Isso não é coisa de gente normal. Então tivemos a sorte do pessoal todo descer e vir conversar com a gente. Esse momento nos deu muita alegria, conhecer mais uma realidade. Trata-se de um acampamento de famílias sem terra, que reivindicam o direito a plantar para subsistência e venda de pequena escala, além de extrair os frutos da floresta sem devastação: castanha, açaí, bacaba e outras frutas.
Lutam pelo direito a viver com saúde e água limpa de fonte, a não ser mão de obra barata nas cidades, a se amontoar entre os esgotos da falta de saneamento, fruto do roubo do político que não mandou fazer o esgoto no bairro onde a população se instalou. Então essas pessoas “tão” de outro planeta, que muitos criticam e chamam de vagabundos pelo fato de não terem capital suficiente para comprar uma extensão de terra que lhe forneça sustento, estão ali, vivendo há 9 anos diante da incerteza. Enquanto enormes extensões de outras terras são depiladas para criação de carne, um campo de futebol para cada cabeça de gado.
A quantidade de comida vinda da terra que se pode produzir numa área destas? Eu não faço ideia, mas lembro bem do quintal da minha avó, cheio de diversidade e que não passava de uns poucos metros ao lado da casa. Num pequeno trecho próximo à estrada eles plantam sua horta, porque não podem mexer em mais terra para dentro da área do DNIT (alguns metros que margeiam a rodovia) até não ganharem a causa na justiça.
Neste jeito simples estão plantando mamão entre as árvores nativas na beira da estrada desde lááá dos distantes quilômetros que vínhamos. Pedalando, achamos estranho bananeiras e mamoeiros misturados à vegetação nativa, avessos ao modelo monocultor depilador de florestas justamente do outro lado da estrada.
Eles querem esta terra para viver dignamente dela, já há 9 anos sobrevivem deste jeito, mas não podem construir nada definitivo, só barracos de palha e suas hortas com plantas mais efêmeras. Enquanto isso o suposto dono da terra, que nem na sua “propriedade” vive, está longe, mas possui documentos afirmando que aquele pedaço de vegetação é dele.
De quem afinal é a terra, de quem a compra e a deixa para fazer valorizar porque se vai construir uma hidroelétrica nas proximidades? Ou de quem depende do seu cultivo manejado para alimentar a família? Eles vendem parte dos vegetais da horta para as pessoas da cidade vizinha e não fazem uso de agrotóxicos porque dali eles também se alimentam e alimentam as crianças.
Este grupo tem apoio da Igreja Católica, através da Pastoral da Terra, e através dela conseguem apoio jurídico para suas reivindicações. Enquanto sua vida vida nessa indefinição e luta permanece, eles vendem o excedente da horta nesta casinha aí, onde paramos para fugir do sol, e também vendem na cidade eventualmente.
O pessoal do movimento sem terras, numa pausa na hora do almoço. André está com a sacola cheia de castanhas que ganhamos.
Aquelas horinhas de conversa no intervalo do nosso dia valeram por uma aula da vida. Perguntamos como fazem o plantio das bananeiras, como fazem pra catar a castanha, se eles vêem muitas onças, se já viram o curupira. Entre aquelas pessoas, gente de vários lugares do Brasil, inclusive lá do extremo sul do país, gente de sorriso fácil e conversa farta! Mas como as bicicletas atiçam a curiosidade também foram momentos de contar histórias de lugares distantes que eles nunca ouviram falar.
Saímos daquela pausa revigorados, com a cabeça leve e o coração apertadinho de não poder ficar mais tempo, não tínhamos muito o que comer, nem o que preparar pro começo do dia seguinte, já que esperávamos chegar na cidade no final do dia.
Mas a vontade era ficar ali uma semana e perguntar tudo sobre as hortas, sobre a luta deles pela terra, sobre como é viver ali sem energia elétrica, sem as desgraças da televisão, contornando o fato de não terem geladeira, ventilador num clima tão quente como este… Ham e, sem televisão, veja só que absurdo! Mas não dava pra ficarmos mais. Aí na despedida, nos trouxeram uma sacolada de castanhas recentemente colhidas. Uma sacolada que no mercado se fôssemos comprar seria uma fortuna, e pra eles é simplesmente uns minutos de catação, não aceitaram nada em troca, era um presente pra viagem. Como é grande o coração do ser humano!
Chegamos no asfalto no final da tarde. Estávamos disfarçados de tijolo, porque a poeira da estrada misturou com o suor e fez uma massa igual argila em cima da gente. Não encontramos a entrada da cidade, apesar de ter visto as ruas planejadas de longe. Fomos pedalando contornando o lago da represa até que vimos uma guarita.
Paramos e não tinha ninguém. Sentamos ali na sombra pra pensar no que faríamos. Em lugares assim temos receio de acampar na beira da estrada, há muito movimento, e não conhecemos a cidade. Sem falar que precisávamos urgentemente de uma ducha forte, daquelas de lavar carro, com muita pressão de água pra tirar toda aquela sujeira. Não dava pra ir dormir daquele jeito e o acesso ao lago parecia algo de perigoso, íngreme. Aí então parou a polícia pra revistar uns motoqueiros. Perguntamos pra eles se ali dentro era um bairro e se poderíamos entrar. Disseram que sim e que por ali haviam escolas e comércio onde comprar comida.
Assim ficamos no final do dia, bronzeados pela poeira que aderida ao suor formava uma argila. Tratamento estético gratuito e móvel, e além disso não se gasta com loção de proteção solar.
Entramos por um acesso de pedestres, dificultoso para as bicicletas carregadas. Eu com meu pulso ainda ruim não consegui ajudar a levantar as bicis, e o André teve de fazer o trabalho sozinho. Entramos e vimos um lugar bonito, perguntamos aos militares do exército que estavam por ali numa casa. Aquele era um bairro militar.
O local era um teto com mesa e cadeiras, banheiro e grama, onde dificilmente incomodaríamos alguém, e pelo fato de ter banheiros não causaríamos nenhum transtorno sanitário ao local norteamericanamente limpo. Mas não tivemos autorização da “otoridade”, que nos mandou procurar as áreas verdes do bairro em algum lugar subindo as infinitas e “íngridis” ladeiras. Perguntamos o que eram as áreas verdes, mas a resposta só serviu pra perdermos mais tempo. Tudo bem, não querem ajudar, então que não atrapalhem, vamos tentar alguma escola…
Começamos a subir rumo a uma escola. Novamente porta na cara, a diretora não está. Então seguimos subindo a “íngridi” rua, “igridnados” com a secura das pessoas que nos deparamos no final do dia, um imenso contraste com aquelas pessoas que nos deram mangas, e depois aquelas pessoas que nos deram castanhas, e aquela senhora que nos acolheu em sua casa. Foi desanimador.
Subindo e subindo na marchinha mais levinha com o coração saindo pela boca, final de tarde chegando, a noite vindo, sem ter onde tomar um banho, porque pra dormir a gente planejava já botar a barraca em qualquer grama “norteamericanizada” do bairro, as tais áreas verdes… Foi quando um rapaz pergunta “Vem de longe?”. Eu respondo com um fio de paciência que ainda me restou “de muito longe”. Depois de tantas negativas que levamos, eu tive paciência pra responder ao rapaz, enquanto puxava o fôlego pra subida vagarosa.
André também teve paciência de completar “de Santa Catarina”. Aí paramos de tentar pedalar e falar ao mesmo tempo, não estava dando fôlego e pelo visto subir mais rápido a ladeira em busca de um lugar pra ficar antes de escurecer seria em vão. “Paciência”, é preciso buscá-la sempre mesmo nas piores situações, mesmo naquelas em que você julga que executar as coisas rapidamente e com eficiência é que trará algum resultado.
Estas nossas andanças só nos tem provado o contrário, então estamos sempre a invocar a paciência!
Nessa instante de reflexão em minha mente, o rapaz se aproxima e pergunta o que estamos fazendo por aquela rua, porque ali não costuma ser passagem. Claro, entramos pela porta dos fundos do bairro. Mas então ele chama a vizinha e depois de contarmos da recusa do exército em nos ajudar, nos dizem pra acampar bem ali, na grama de uma casa desocupada, desocupada porque não liberaram para uma família viver ali, estavam também indignados por algum motivo com as autoridades. Então eles tem uma ideia melhor, a moça nos leva até a casa de apoio aos acompanhantes do hospital, mantido pela Igreja Batista, na quadra ao lado.
Vamos até lá e a senhora que cuida do local, pergunta logo “Mas o que vocês querem aqui? (seca e ríspida) Porque aqui não podemos deixar ninguém ficar sem a autorização do hospital confirmando que é acompanhante de algum doente”. Então explico que no exército não nos deram auxílio e que na escola, local que geralmente procuramos ficar, a diretora não estava, que precisamos de um apoio pra tomar um banho e um local seguro pra jogar a barraca, poderia ser até no estacionamento, mas que se não podemos permanecer ali durante a noite, compreendemos e podemos acampar em outro lugar, mas que gostaríamos muito de poder tomar um banho, dado nosso estado.
Então ela nos deixa tomar banho, mas fica claro pela atitude da senhora que não poderíamos permanecer ali para passar a noite. Enquanto nos preparamos para o desejado banho, nossa amiga precisa ir buscar as crianças dela na escola, diz que volta em seguida pra encontrarmos um local pra gente dormir, porque a casa dela está cheia também.
Registro do nosso estado de sujeira enquanto esperávamos autorização da senhora do abrigo, para tomarmos banho
Nossa urgência prioritária foi sanada, o banho! Mas ainda estávamos sem local para dormir e um pouco amedrontados com a senhora que cuida da casa de apoio, assim que saí do banho ela me mandou trocar minha bermuda por uma calça, porque ali não era permitido roupas curtas. Detalhe que não havia ninguém na casa a não ser mulheres, e que no caso minha única calça estava imunda de poeira, só me restou a calça rasgada dois dias atrás, por excesso de uso, e levemente suja… ao menos até que resolvêssemos onde dormir. Foi então que o milagre aconteceu.
André saiu do banho com seus cabelos molhados e acho que a senhora pensou que se tratasse de uma visão de Jesus, cabelos escorridos, barba grande, sabe como é… Alguns minutos depois ela nos convida a dormir na casa de apoio e oferece até camas pra nós e também nos convida para jantar com todos, haveria arroz e feijão! Nossa, que peso saiu de nossas costas neste momento. Mas ficamos sem entender o que a fez mudar de ideia.
A amiga retorna, nos convida a ficar no sítio da família, só que era distante 10km, teríamos de pedalar no escuro… Mas tudo estava resolvido depois da mudança de ideia da senhora do abrigo. Então disse que se quiséssemos descansar uns dias lá no sítio e ir no dia seguinte, poderíamos ficar quanto tempo quiséssemos. Ficamos de pensar esta noite, e ver com ela na manhã seguinte como estaria nossa disposição.
06/12/14
Acordamos tão cansados. O filho da senhora que estava abrigada na casa de apoio falecera durante a noite. O clima estava pesado por lá. Foi mesmo ótimo o convite da Lorena, ter um lugar para acampar no meio do mato, já que há uma grande sequência de dias, ficávamos nas casas das pessoas, escolas, abrigos.
Estávamos com saudades de uma bela noite silenciosa em nossa barraca. Ao sair da cidade, nos deparamos com uma tentativa do exército de ser bonzinho. Um apenas não, mas dois Papais-Noéis desfilando levados por um tanque de guerra pelas ruas da cidade. É cada coisa…
Já que eles não autorizam cicloviajantes a dormir sobre o teto de sua área de pique-nique, ao menos compensam a balança das boas ações distribuindo balas de açúcar para as crianças da cidade.
Depois desta cena lastimável, nos mandamos para o sítio da família da Lorena, distante 12km do bairro. Ficamos três noites por lá, acampados às margens do lago da represa de Tucuruí, tomando água de coco dos inúmeros coqueiros do sítio, fazendo tapioca e farofa com coco, até cocada fizemos.
Aproveitamos a oportunidade de descanso para comermos saladas e muitas frutas. Esperamos a visita da Lorena, mas ela acabou não podendo vir no final de semana. Agora ficamos na espera da visita dela quando retornarmos pra Santa Catarina.