De volta a Carretera Austral
Voltar a Carreteira Austral foi caso pensado. Queríamos passar novamente por este lugar principalmente por três fatores. Um: seria uma alternativa mais interessante do que a ventosa e seca ruta 40, da qual o trecho que experimentamos antes do Paso Mayer, já era mais do que suficiente. Dois: a possibilidade de encontrar nosso amigo e compadre, que vinha pedalando desde Floripa a uma velocidade exorbitante, e pelas nossas contas nos encontraríamos entre Villa o’Higgins e Cochrane. Três: ter a perspectiva do sentido sul-norte desta magnífica paisagem, e quem sabe, ter mais sorte com o hostil clima super úmido e chuvoso.
Alguns dos motivos, puderam ser plenamente satisfeitos, encontramos nosso amigo Duan e fugimos do vento e secura da 40, tivemos outra perspectiva da paisagem no sentido oposto, mas foi impossível escapar da implacável chuva! Já saindo de Villa O’Higgins ela nos pegou, o que nos obrigou a pernoitar novamente no abrigo dos 50km, e foi uma deliciosa surpresa encontrar ele limpo e organizado, sinal de que os ciclistas que por ali passam, respeitam os próximos que virão ali se abrigar.
Da outra vez deixamos uns cartazes com mensagens do tipo “Leve seu lixo” e “Mantenha limpo para os próximos que virão”, e tivemos a alegria de ver que mais ciclistas deixaram suas mensagens por ali em apenas 2 meses, alguns deixaram fotos, e muitos anônimos deixaram apenas seu respeito, o que já é mais que o suficiente.
Em Puerto Yungay fomos parar no acampamento do exército, dentro de um quarto quentinho, com cama e cobertor, na inigualável compania do nosso amigo Duan, que vinha pedalando de havaianas, e com metade da bagagem do que quando começou vua viagem lá em Floripa. Comemoramos o fato com um vinho de caixinha, que vínhamos trazendo para a ocasião do encontro desde Villa O’Higgins, e que quase não chega, porque a trepidação quase acabou com a caixa.
Quantas histórias para contar em apenas uma noite! Duan decidiu ficar mais um dia, até porque chovia de balde, e a compania e a preguiça de pedalar na chuva era muito tentadora. Passamos a balsa para Rio Bravo outra vez, para pernoitar no outro refúgio e porque nosso amigo não podia perder o barco para El Chaltén. Não tínhamos coragem de pegar no sono naquela noite, ainda tínhamos tanto que contar de nossas viagens…Mas no outro dia seguíamos direções opostas, e nosso compadre ainda tinha que chegar a Ushuaia. Conhecemos essa pressa!
Lá se foi o pedalande de chinelos, morro acima debaixo de chuva. Nós esperamos a balsa para seguir, os barqueiros já não entendiam mais nosso vai e vém de balsa. Pensaram que gostamos do passeio.
Nesta época, fevereiro, final de férias, a Carreteira Austral estava menos bela. Muitos carros de turistas empoeiravam nossas caras e passavam feito loucos. Não haviam mais as flores amarelas e lilázes que encontramos em dezembro.
Muitos arroios estavam secos devido a estiagem do mês de janeiro. Alguns trechos da estrada estavam em manutenção tornando a pedalada pesada e nada prazerosa. Com esforço chegamos a Villa Cerro Castillo, debaixo de um toró daqueles. Tivemos que parar e puxar o toldo por cima de nós e das bicicletas, e só faltavam 5km de descida até a cidadezinha.
Por providência divina fomos parar em um camping que preparava um assado “al Palo” para um grupo que retornava de uma cavalgada, pobre cordeiro, mas a fogueira preparada para o assado nos salvou! Girávamos em frente ao fogo para nos secar, enquanto a caldeira do chuveiro era aquecida à lenha também. A estadia forçada depois da grande chuva, neste pequeno povoado, nos trouxe a oportunidade de subir ao Cerro Castillo, no outro dia era inacreditável a cor do céu, como pôde ter chovido tanto no dia anterior, e amanhecer assim? Como se nada tivésse acontecido?
A trilha foi brutal. Subimos e acampamos lá em cima, aos pés do castelo mais lindo. A trilha curta é usada pelo pessoal das cavalgadas e não é trilha oficial do parque. Mesmo assim é a mais recomendada. Decidimos voltar pela trilha oficial, munidos do mapa oficial. Mas a névoa que se levantou em 15 minutos na manhã seguinte, não era nada oficial!
Não conseguíamos enchergar muito à frente, perdemos de vista os totens de pedra e as bandeiras pintadas indicando o caminho. Fomos mais ou menos pelo mapa, e fomos dar em um vale de pedras soltas e íngremes, guiados por alguns furos de bastão de caminhada feito por algum outro louco que se perdera antes de nós por ali.
Não era possível caminhar. Era mais um esqui morro abaixo, e eu caía tanto, que já estava desesperada, e pra piorar, começou a chover. Vimos nascer ali naquele vale a nascente que deu origem a um rio forte e correntoso que fomos encontrar mais lá em baixo, no acampamento 8, e onde encontramos um pessoal que nos indicou a trilha ofical para o restante do caminho de volta.
Era para termos feito o trecho em 2h, levamos 4h, e no total, o dia todo pra chegar moídos ao camping no cair da tarde, já sem poder andar direito. No outro dia eu não conseguia andar, para descer degraus tinha que me apoiar em algo, as panturrilhas não me serviam de nada.
Daí a Coihaique pedimos carona, fomos trapaceados por um casal de mochileiros, e conseguimos carona no dia seguinte, pagando ao dono do mercadinho (que cada vez cobrava mais caro pelo kg da abóbora, pensando que éramos turistas novos). Enfim chegamos na cidade grande, e descobrimos um sacolão de frutas e verduras.
Pra quê?! Saímos da cidade carregados de manga, melão, ameixas suculentíssimas, abacates, laranjas, maçãs, muitas verduras e muita comida, muita comida mesmo! Acampamos logo na saída da cidade, encontramos uma casa abandonada coberta pelo mato, e abrimos uma clareira no meio do pomar, nos camuflamos bem ali. Dormimos bem depois de devorar um refogado de legumes que mal coube em nossas duas panelas. O dia tinha sido quente e precisávamos rehidratar.
Novamente em Villa Manihuales encontramos o Jorge e sua casa de ciclistas. Chegamos junto com um casal de chilenos, e na casa já havia um punhado de outros viajantes. Por conta da chuva acabamos ficando mais uns dias, e quando saímos de lá, fomos encontrar pela estrada Ali e Florin, um casal de ciclistas que encontramos perto de Ushuaia, e que recém havia começado sua viagem. Acampamos juntos próximo de um lago, em uma grama bem macia. Mas nada de noite de fogueira e conversa, a chuva nos fez dormir cedo. Amanheceu mais ou menos e conseguimos pedalar sossegados em meio ao chovisco. Os amigos ficaram no próximo povoado e nós seguimos para a subida do Queulat.
Não conseguimos fazê-la. Acampamos logo que a subida começava, a chuva aumentou e ficamos receosos de ter que acampar mais ao alto e se esfriar demais. Acabamos ficando 3 noites ali, porque a chuva não parava e ainda tínhamos comida. Só fomos sair porque um guarda-parque apareceu nos lembrando que ali é proibido ficar. Chegamos em Puyuapi debaixo de chuva e fomos direto ao camping mais barato. E logo depois de nós quem chega? Novamente Ali e Florin, com lábios roxos e ensopados! Isso deu uma idéia, Sopa! A noite emprestamos um panelão digno, da dona do camping, e fizemos uma senhora sopa para todos!
Próxima parada, La Junta, novamente iríamos acampar no quintal de Paul e Konomi. Queríamos ver como estavam as melancias de estufa e como cresceram os vegetais neste verão. Acabamos ficando 15 dias ali. O casal nos convidou para cuidar da casa enquanto eles viajavam à cidade vizinha para arrumar umas coisas para a casa. Aceitamos de bom grado a tarefa de caseiros. Brincamos de casinha por uns dias, regar as plantas, rachar lenha, buscar água no arroio, alimentar os gatos, trazer a lenha para cima. Uma pausa no pedal. Estávamos mesmo precisando refletir sobre o próximo trecho da viagem. Estava batendo a vontade de voltar pra casa e encerrar o pedal por uns tempos. Mas aí tivemos uma ótima notícia…