Fogo no templo
Na manhã seguinte o dia parecia promissor, mas só parecia, no Vale do Rio Murta. Assim que começamos a pedalar a chuvinha recomeçava, e o vento não dava muita trégua, mas não chegava a atrapalhar o pedal, o que fazia era nos esfriar o corpo demais. Perto do meio-dia, paramos no que poderia ser um abrigo para fazermos um lanche. Mas o local já estava ocupado por um casal de ciclistas alemães que também faziamsua refeição ali. Por sorte a chuva havia parado, e pudemos matar a fome ali fora. Os alemães seguiram e nós invadimos a capelinha. Sim, o abrigo era uma pequenina casinha, o santuário de San Sebastian. Não havia nenhuma vela acesa, para nosso azar nenhum calor extra para nos aquecer.
Mas aí André teve a idéia de queimar uns papéisinhos de chá que ele tinha no bolso, e derreter um pouco da cera que estava pelo chão. Então o Marco disse que propaganda política no templo é proibido e queimamos também os cartões e propagandas que o pessoal deixa por lá. Não temos orgulho de dizer que também queimamos umas páginas em branco do livro de assinaturas, na louvável tarefa de secar um pouco de nossas roupas e aquecer nossos corpos tremeliquentos.
Fogo no Templo from Pedarilhos on Vimeo.
Depois de duas horas por ali e já meio tontos do cheiro de parafina. Decidimos que era hora de seguir. Já estávamos secos e mais aquecidos, alimentados e descansados. Um moto-viajeiro italiano parou por ali também e conversamos um pouco. Seguimos até o fim da tarde, agora com mais descidas e planos, o final do dia rendeu uns bom 40km. Fomos encontrar pouso ao lado de um riacho de degelo, escondidos da estrada e em paz.
Amanheceu ainda chuviscando e ficamos com preguiça. Mas o casal de amigos seguiu para Puerto Rio Tranquilo enquanto nós ficamos zumbizando no lugarzinho sossegado. No outro dia seguimos para Pto. Tranquilo, mas não achamos legal a postura dos barqueiros que levam os turistas passear nas Capelas de Mármore no lago. Um ficava falando mal do outro pra gente, tentando nos levar no barco deles. Acabamos nos aborrecendo com a cena e decidimos não fazer passeio nenhum. Estamos ficando de saco cheio de lugares turísticos. Apenas esperamos os mercadinhos abrir e lanchamos alguma coisa pra seguir viagem.
O clima perto do Lago General Carrera já era bem melhor que nos quilômetro anteriores e fazia um dia calorzinho. Ficamos impressionados com a cor Turquesa forte e intensa do lago, parecia paisagem de quadro e não realidade. A estrada estava toda decorada com flores amarelinhas em diversas tonalidades, e coroava de dourado a visão que tínhamos do lago azul.
Não foi fácil encontrar onde acampar nos 30km seguintes. Nos contentamos em ficar do lado da estrada num pedacinho de grama mais ou menos escondido da vista dos veículos. A estrada ficou incrivelmente ruim naquele trecho, e o cansaço nos derrubou.
Dali pra frente a paisagem foi mudando muito rápido. Em Puerto Bertrand nos deparamos com a cor incrível do Rio Baker, acampamos numa montanha mais seca com vista para o canion que o rio formou. Pedalar até Cochrane foi longe de ser fácil. O dia era quente, a poeira era intensa, o que era agravado pela quantidade de carros turísticos levando gente pras Capelas de Mármore e arredores. O relevo também não facilita, nos enganando nas descidas com vento contra e nos esgotando na interminável e lenta subida, para aí então descer bruscamente e voltar a subir tudo de novo.