Hasta la Cusco, baby!
Esse foi o trocadilho tosco com que nos despedimos dos amigos colegas cicloviajantes que estavam na Casa de Ciclistas de La Paz. Sabíamos que iríamos encontrar todos em Cusco, no hostel bike-friendly Estrellita uma hora ou outra. Este era nosso principal objetivo da semana, chegar em Cusco e faltava-nos pouco.
Já de volta ao asfalto, e ainda receosos das histórias de assaltos que ouvimos de Dona Elizabeth, tomávamos a precaução de pedalar sempre próximos. Foi aí que parou uma camionete branca no acostamento. Desceram um casal, eu (Ana) estava na frente do grupo, reduzi um pouco a velocidade para que os demais se aproximassem, André falou pra mim “Não pára, segue, segue…” Estávamos esperando o pior. Acelerei então e fui parar longe do grupo. Pelo retrovisor vi que todos pararam próximo ao carro, pensei “Mas porque diabos pararam se me mandaram seguir?!”. Retornei pra junto ao grupo. O casal que desceu da camionete nos convidava a visitar sua hospedagem no povoado próximo, estavam começando e pediram-nos ajuda com a divulgação do lugar para outros ciclistas, tudo sairia de graça para nós, era só pedalar mais uns 10km, já era final de tarde e teríamos subida.
Bom, vamos tentar. Pegamos as direções do local e apuramos o passo, o vento contra era forte, o cansaço do dia fazia as pernas pesarem, tivemos subidas e o local indicado não chegava nunca. Caiu a noite. Paramos numa vendinha perguntar pelo lugar, nisso a camionete branca aparece e o senhor Jorge nos ilumina o caminho com os faróis do veículo, estamos salvos! Entramos no lugar e os quatro de boca aberta “Que luxo”, uma antiga fazenda reformada, parecia um museu particular. O casal que já não tem os filhos em casa é proprietário de uma fábrica de queijos. Mas que lugar pra dois vegetarianos ir parar! E agora explicar que toda aquela queijarada chique a gente não quer provar? Mas os anfitriões nos deixaram à vontade, ofereceram Pisco peruano a todos nós antes de nos oferecerem o jantar. Este também de graça. Já nós é que estávamos sem graça de perguntar o preço, porque se resolvessem cobrar não íamos ter de onde tirar mais moedas. Mas que nada, só pediram em troca nossa ajuda na divulgação do lugar, e dicas de como melhorar a hospedagem, já que imaginam que nós passamos por vários lugares e podemos ter dicas para eles.
Depois de jantar, dormir numa cama limpíssima e confortável que nem em casa teríamos tão chique, tomar café da manhã numa mesa cheia de talheres e louça, ainda nos levaram em um tour pela fábrica de queijos e pela casa em si, que mais parece um museu particular, cheio de objetos encontrados nas escavações da propriedade, obras de artesanato locais, objetos dos primórdios da fazendo, há muitas gerações anteriores, e depois, à Capela, onde ainda guardam antigas imagens esculpidas em estilo espanhol. Todo o local construído em adobe, estes tijolos de terra secos ao sol, muito comuns até hoje em todos os vales e montanhas peruanas.
Nos despedimos de Silvana e Jorge, com aquela vontade de ficar um dia mais, o luxo e o conforto podem te armar uma emboscada, mas fomos fortes e seguimos nosso caminho. Mas fica aqui nossa colaboração com o casal de anfitriões, se você tiver vontade de dormir numa cama quentinha e cheirosa em seu caminho a Cusco, e seu orçamento não é tão apertado, entra no site (http://tamboquequenorte.com/) do Tambo Queque Norte pra conhecer. O Jorge e a Silvana são pessoas muito amáveis e atenciosas, e também tem a intenção de oferecer camping aos viajantes futuramente. Mesmo que um quarto luxuoso não seja para o seu bolso em uma viagem de bicicleta (como também não é para o nosso bolso!), fale com eles sobre a possibilidade de acampar no gramado, ao menos é um local seguro e sossegado, se você precisar descansar uns dias antes de enfrentar a louca entrada a Cusco.
Desapegados do conforto, tivemos um difícil passo, abra La Raya, e depois disso só descidas até Cusco. Depois de começada a descida o vale se tornou bastante povoado, e não víamos muitas opções de onde acampar. Pra dificultar a decisão, meu pneu furou e não queríamos entrar na cidade de Sicuani com o cair da noite. Seguimos pedalando devagar com os olhos bem atentos a algum lugar, qualquer lugar, onde tivéssemos um mínimo de tranquilidade para dormir, meio que perdidos e sem saber que atitude tomar. Mas logo depois de uma curva vimos um gramado verdejante só que rodeado de muros e portões. Restaurante La Pascana, o que teríamos a perder além de alguns minutos, perguntando se poderíamos acampar ali dentro? O senhor José já abriu a porta abrindo os braços pra nós. Parece que estamos ficando mal acostumados com a hospitalidade inesperada pelo caminho… A verdade é que seu José me lembrou muito meu avô, só que o vô de hoje fala espanhol e algumas palavras arranhadas de português.
O seu José nos deixou à vontade como em casa no gramado imenso e cheio de alpacas e llamas incomuns. Enquanto consertávamos meu pneu furado, conversávamos com seu José sobre a viagem, e ele descobrindo nós sermos brasileiros, imediatamente ligou pro seu filho, que havia morado no Brasil por alguns anos, ele queria que o filho falasse português com nós. Na manhã seguinte o Seu José pediu pra que fizéssemos uma lista de palavras em português que poderiam ser úteis pra ele ao atender os clientes brasileiros no Restaurante, depois os amigos fizeram também uma lista de inglês, russo e romeno. Mas seu José tinha pressa, tinha que comprar os ingredientes para o almoço, nos despedimos rapidamente e ele seguiu seus afazeres. Mas antes de seguir nos deixou bem claro “A todos amigos ciclistas que encontrarem, podem dizer pra acampar na grama do meu restaurante que serão bem vindos!”. Pode deixar seu José!
Saindo de Sicuani fizemos uma parada estratégica em Andahuaylillas para visitar a Igreja famosa por lá. A estratégia da parada foi mais por causa da chuva que caía do que pela Igreja em si. Mas depois de entrar no local, ficamos admirados pela arte que a igreja abriga, são peças originais e muito ouro em uma igreja pequenina, mas engrandecida pelas obras de arte, algumas pinturas um tanto quanto demoníacas e umas esculturas um pouco assustadoras, nunca havia entrado em uma igreja assim…
Depois da chuva passar só faltavam mais um pouco de pedal até a famosa cidade construída sobre as ruínas incas…