¡Hola Perú!
Saímos de Copacabana meio desorganizados depois de vários dias andando de mochila improvisada pela Ilha do Sol. Antes de sairmos tivemos que comprar comida, trocar dinheiro, e comprar uma dessas mantas coloridas porque a Ana invocou com uma. O Perú estava só há 8km dali.
Passamos na migraciones Boliviana, carimbamos a saída e tudo certo. Uns metros à frente, migraciones Perú, entramos no escritório e nos perguntaram quantos dias iríamos ficar. Explicamos que não podemos saber, pois estamos viajando de bicicleta, nos perguntou se 90 dias estava bom, perguntamos como poderíamos renovar o visto caso levássemos mais que 3 meses, então a atendente disse, “Ok, vou colocar 180 dias pra vocês.” Sem nenhuma cerimônia. Felizes com a concessão de 6 meses, não precisaríamos nos preocupar com possíveis renovações.
Já ao passar a fronteira notamos a diferença com o país vizinho. As buzinas e os motoristas de vans malucos continuavam os mesmos, mas agora um outro veículo juntava-se à trupe dos buzinadores inveterados: Os Moto-táxis! Não importa quão longe eles estão de você, eles irão buzinar! Respira fundo e tenta fechar os ouvidos e seguir em frente. Já havíamos notado mais sorrisos pelas ruas, o povo peruano por aqui estava mais receptivo e simpático, abanavam, mostravam os dentes em sorrisos sinceros. Mesmo já na Bolívia, havíamos ouvido alguém gritando “Gringo!”, mas seria no Perú que esta palavrinha viria a ser a nossa pedra no sapato. E ao entrarmos cada vez mais no interior do país, a frequência desses gritos em nossa direção foi aumentando e aumentando. Ah, como eu queria que o ouvido tivesse tampa!
Passamos por Puno no final da tarde, enlouquecemos no trânsito e poluição do ar, morro acima, uma camionete esbarrou no alforge de nosso amigo, fazendo ele desequilibrar da bicicleta, mas sem maiores consequências. Estávamos todos irritados e famintos, tratamos de sair logo da cidade depois de nos esbaldar no primeiro supermercado de verdade desde o Chile! Terminada a subida para sair da cidade, fomos parar de novo às margens do Lago Titicaca, e depois seguimos pelo final de tarde até encontrarmos a estrada que nos desviaria de Juliaca. Montamos as barracas ao lado da estradinha, mais ao longe da rodovia principal.
Entramos em Atuncolla e paramos bater foto de uma alpaca peludinha na frente de uma casa toda de pedras. A dona da casa apareceu e nos convidou a entrar, ela vendia seus artesanatos no pátio, ela e a filha fiavam, teciam, tingiam com ervas naturais e tricotavam peças bem originais. Ficamos uns minutos com elas, observamos elas realizarem os trabalhos, e acabamos adquirindo alguns gorros para o frio. Nos deram água do poço artesiano, tentaram me ensinar uns pontos de tapeçaria e nos regalaram muitos sorrisos. Mesmo tímidas, aceitaram bater uma foto com a gente usando as obras das mãos habilidosas das duas, escondendo o rosto com os chapéus.
Seguimos viagem com aquela vontade de pedir pra acampar ali no pátio delas, aprender a fazer o que elas faziam, mesmo sendo apenas 10h da manhã e não termos nem pedalado 10km ainda. Mas seguimos…
Nos disseram que por Cabanilla se poderia evitar passar por Juliaca, uns ciclistas franceses que encontramos em La Paz nos disseram que jogaram pedras neles ao passarem pelos bairros periféricos. Nos levaria um dia a mais e teríamos rípio, mas não importa, escolhemos pela tranquilidade. Erramos o caminho e acabamos fazendo uma volta de uns 20km a mais, porque não constava a estrada em nosso mapa, e as pessoas do local simplesmente não sabem que existe este caminho, eles preferem te dizer a ir pelo asfalto, no máximo sabem como chegar só ao próximo povoado. Mas ao final da tarde conseguimos chegar em Cabanilla! Já estava ficando tarde para encontrar onde acampar, haviam muitos bêbados pela rua, nos olhavam e contavam piada entre eles, tentávamos nos manter sempre os 4 pedalando juntos, mas aí uns cães resolveram nos atacar, e só quando uma senhora começou a jogar pedras eles recuaram. Pegamos água numa casa e tentamos “fugir” do povoado ainda antes de escurecer demais.
Ao sair da cidade nos deparamos com uma área rural, pero, bastante povoada e plana, não teríamos muito onde nos esconder. Nisso uma senhora nos grita “Hijitos, para donde van en la noche? Van a los robar en la carretera.”, (filhinhos, onde vão pela noite, vão roubar vocês na estrada). Ela se abaixa e pega uma pedra. Nosso amigo diz “Cuidado, ela tá com uma pedra, vai jogar na gente!”. Mas aí ela pega a pedra e martela o pedaço de madeira no chão, que era pra prender o boi que ela trazia de volta pra sua casa. Deixa o animal de lado e diz, “Hijos, vengan a mi casa, se siguem por la noche, hai ladrones para allá en la carretera” (Filhos, venham na minha casa, se seguem viajando a noite, tem ladrões pra adiante nessa estrada.) Dona Elizabeth nos convida a acampar em seu quintal, e salva nosso dia, ou melhor, nossa noite de sono tranquilo.
Depois de armarmos acampamento ela vem curiosar, ver como são as barracas, como cozinhamos, sobre o que dormimos, o que vamos comer. Conversei longamente com ela, e ela me conta os “causos” de perigos nesta estrada que nos leva a Lampa, casos de roubos de carros e motos, de estupros e assaltos. Ficamos um “tiquim aperreados”, cogitando até voltar pro aslfalto e enfrentar as possíveis pedradas de Juliaca… Mas o dia amanhece, e tudo é diferente.
Pela manhã dona Elizabeth nos traz batatas cozidas e café de abas tostadas, aos amigos que comem de tudo, oferece queijo e ovos cozidos. Um amor de pessoa. Fizemos uma foto com ela e o filho, os amigos compram quilo de queijo, litros de yogurte caseiro, dona Elizabeth tem a própria etiqueta! Mesmo com toda aquela simplicidade, Elizabeth lida sozinha com o sítio, com seus porquinhos, vacas, galinhas e até trutas. Uma mulher forte que nos emociona ao nos despedirmos, mais um coração bondoso no nosso caminho.
Decidimos considerar que todas as macabras histórias da estrada são fruto do medo e de anos e anos de histórias acumuladas. Mesmo tomando cuidado redobrado e prestando atenção a qualquer movimento suspeito na estrada. Chegamos ao charmoso povoado de Lampa sem nenhum sobressalto, nem assalto, nem salto. Só um capacete voador que quase me custou um tombo. Acho que o cabelo do André tá tão grande que o capacete dele não encaixa mais, aí numa descida saiu voando e veio parar na frente da minha roda!