Machu Picchu por conta própria
Depois de uns dias de descanso e roupas lavadas embarcamos na combizinha pra Ollantaitambo, pois já era muito tarde aquela manhã pra ir direto para Aguas Calientes. Só as ruas desse pequeno povoado auto-intitulado “Povo inca vivo”, já valem muito a pena a visita.
As pequenas ruelas são rodeadas por muros com gigantescos blocos de pedra encaixados como um milagre, e por elas canais de água cristalina circulam abastecendo o povoado com água e levando-a até onde se faz necessário irrigar plantações.
Na manhã seguinte fomos de táxi turístico até a última cidadezinha do asfalto, passamos muito mal nas curvas intermináveis.
Onde termina o asfalto tivemos que pegar outro taxi, porque os táxis locais intimidam os outros transportes turísticos independentes a fazer o trajeto.
E neste último transporte, todos pensamos que iríamos morrer. A estrada é péssima, estreita, cheia de buracos e intermináveis curvas, sem falar no precipício que fica ali logo ao lado de sua janela. Mal há espaço para dois veículos passarem, e a cada curva você pensa “Pronto, agora vai bater de frente com outro maluco transportando turistas incautos.
No caminho comentamos entre a gente “como ninguém contou pra gente como era esse transporte antes? Será que a galera não tem medo? Ou não quer é lembrar desse momento tenso da viagem?”
Ao final chegamos vivos na hidroelétrica, onde começa a caminhada até o povoado de Águas Calientes, onde iríamos pernoitar. Levamos 2h para chegar, já era final de tarde e custamos a encontrar um preço bom em um hostal muito simples, acabamos dividindo um quarto com duas camas de solteiro com o casal de amigos que vinha com a gente.
No outro dia, acordar ainda as 4h e estar no portão da ponte antes das 5h. Quando chegamos no portão, ainda noite escura, já havia uma fila de umas 10 pessoas e ainda não haviam aberto o portão, os guardas examinavam o bilhete de entrada e conferiam com o passaporte.
Subimos literalmente correndo as escadarias até a porta do Parque. Praticamente ninguém nos passou, e íamos deixando pra trás mochileiros sem fôlego, não ainda aclimatados talvez. Acho que tanto tempo no altiplano nos deixou com bom preparo físico, principalmente respiratório, já que estávamos em menores altitudes agora, apenas dois caras nos ultrapassaram e eles não carregavam nenhuma mochila.
Nós levávamos toda a comida que trouxemos para este dia, para a trilha de volta à hidroelétrica e para a viagem de bus até Cusco, um pouco de água, nossas roupas e a câmera.
Chegamos ao parque as 6h 15minutos e a fila já era enorme. Faziam 15 minutos que ônibus descarregavam turistas um atrás do outro. Tivemos que ficar na fila atrás de um casal de meia idade que fumava feito chaminé.
Pior do que chegar cansado lá em cima e enfrentar a mesma fila com um monte de gente que chega de ônibus, é estar precisando respirar fundo depois de um exercício intenso e só inalar fumaça do cigarro dos outros.
Pra mim, fumar numa fila é a mesma coisa que alguém que decide fazer suas necessidades fisiológicas mais básicas neste mesmo lugar, mesmo em lugares abertos, é inevitável não se sentir desconfortável. Falei em voz alta sobre isso e a pessoa discretamente apagou o cigarro jogando ele no chão e pisando em cima. É óbvio que a pessoa não o ajuntou para depositá-lo em um cesto de lixo.
Apesar de alguns fatos revoltantes, a visita ao parque foi bastante prazeirosa, mas tivemos que deletar da mente por algum tempo o valor que pagamos para entrada ao parque e os gastos e riscos pra chegar até ali (mesmo da maneira mais econômica). Chegamos lá ainda antes do raiar do sol, e tivemos a sorte de não aparecerem multidões nas fotos que fizemos por lá.
Quando chegava perto das 9h da manhã, já havíamos visitado quase toda a extensão do parque e decidimos começar nosso caminho de volta a fim de pegar o ônibus das 15h em Santa Teresa, e então chegar no começo da noite devolta a Cusco, porque o próximo ônibus só seria as 20h e chegaria em Cusco de madrugada.
Foi um pouco frustrante ter tão pouco tempo dentro do parque, porque não chegamos a explorar cada cantinho das ruínas, e não se pode comer dentro do parque, teria sido um lugar bem legal pra fazer um piquenique. Mas a gente sabe como as pessoas não cuidam com o lixo que geram, e seria um desastre se liberassem piqueniques por ali, ia ser todo o tipo de lixo espalhado, a exemplo de nossa coleguinha fumante na fila.
Chegando devolta à hidroelétrica, pegamos uma van grande que prometeu nos levar até Santa Teresa, mas ao contrário do combinado, nos deixaram em Santa Maria e queria colocar 10 pessoas numa van de 6 lugares.
Propuseram que eu fosse no colo do André no banco traseiro que cabem 3 pessoas, mas já havia um casal gordinho lá e uma senhora com 2 crianças. Recusei a oferta e dissemos que esperaríamos o próximo transporte, mas como éramos 4 pessoas e tínhamos sido os primeiros da fila no transporte anterior, o motorista pediu pra outras pessoas que chegaram depois sairem da van e esperar 5 minutos o próximo táxi.
Nossos amigos puderam subir, mas mesmo assim fomos em 4 pessoas no tal banco para 3, já os amigos deram melhor sorte na frente porque algumas pessoas sentam de costas num degrauzinho atrás do banco do motorista. Chegamos em Santa Teresa pouco antes das 15h, havia uma van que nos cobraria só 5 soles a mais que o ônibus e sairia em 10 minutos.
Ele só teria que buscar uns outros turistas na ponte próxima dali antes. Subimos no transporte aliviados de ir rapidamente para Cusco, mas nossa ambição nos traiu. Passados 10 minutos não havia sinal dos outros turistas e começamos a desconfiar que a história era só pra nos fazer perder o ônibus, não deu outra.
Conversamos com o motorista que nos levasse devolta ao centro do povoado onde passa o ônibus, a fim de que ainda pudéssemos pegar coletivo, caso tivéssemos sorte e ele tivesse se atrasado um pouco ainda seria possível. Mas não deu certo.
Estávamos muito irritados com a mentira do motorista e muito indignados com a situação começamos a pedir os preços das outras combis, todos queriam 5 soles a mais, esse tipo de situação já é recorrente e todos eles tem sinais e conversan em Quechua pra tentar tirar sempre um pouco mais dos turistas.
Por termos discutido com o motorista, e termos desistido de seu transporte, não foi fácil encontrarmos 4 lugares nas vãns seguintes, porque elas já vinham semi cheias da hidroelétrica. Enquanto esperávamos vaga, vimos chegar a senhora com as crianças e outros passageiros que ficaram esperando no povoado seguinte, tinham colocado a menininha no porta malas junto com o irmão.
Fiquei me sentindo muito culpada por ter exigido que nós 4 fossemos no primeiro transporte, nunca imaginei que iam “socar” aquela família daquele jeito no porta malas de um carro pequeno. Esse é o jeito peruano de fazer transporte em cidades pequenas.
Depois deste dia começei a prestar atenção e realmente o transporte em porta-malas é tão comum quanto espremer 20 pessoas numa combi que só cabem 10, e ainda ter o descaramento de cobrar o mesmo preço por esse lixo de transporte.
Com toda confusão do transporte, eu e André acabamos discutindo, ele havia me acusado de ter me exaltado demais com o tom de voz na discussão com o motorista, e me culpava porque por isso não tínhamos conseguido outro transporte logo.
A verdade é que estávamos muito cansados, pra piorar eu estava de TPM, e ele como efeito reflexo também, pra somar a tudo isso estávamos com fome porque não queríamos comer nada antes da viagem devolta a Cusco, sob o risco de passar mal com tantas curvas e a mudança abrupta de altitude.
Chegamos em Cusco as 20h, depois de uma viagem tranquila. Na saída acabamos percebendo que os pneus da combi no motorista que havia nos enganado estavam super carecas, um perigo em nome da economia de dinheiro. Pode ter sido providência divina, o motorista que nos levou era mais velho e muito cuidadoso, não passamos mal porque ele dirigia devagar na área de muitas curvas. No final, foi muito melhor assim.
As vezes nós nos descontrolamos com situações que não estamos acostumados, como esta dos transportes para Machu Picchu, mas depois acabamos aprendendo tanto que percebemos que quando tudo passa, foi até melhor assim, pra tornarnos mais alertas e menos idiotas.
O que acontece é que não estamos habituados a lidar com serviços de terceiros em nossa viagem de bicicleta.
O contato que temos com as pessoas do local se limita a pedir um pedaço do quintal pra acampar ou pequenas compras de comida em mercadinhos, não estávamos espertos o suficiente para sacar as sacanagens dos prestadores de serviço de lugares massivamente turísticos.
Isso vale também para serviços de hospedagens, que frequentemente mentem sobre o chuveiro ser quente, ou informam o preço mais caro ao perceber que você é estrangeiro, nas palavras deles “um gringo”.
Mas tudo se limpou de nossa mente no outro dia. Conversando com os ciclistas que estavam no Estrellita, percebemos que nossa experiência não foi nem 10% do que o outro casal havia passado.
Ao menos nós fomos por nós mesmos, sem agência nenhuma. Se fôssemos um pouco mais calejados com os serviços peruanos, teríamos nos safado da apurrinhação.
Um casal nos contou que haviam contratado uma agência. A agencia viria buscá-los no hostel as 7h, só chegaram as 8h e 30, em Ollantaytambo tiveram que mudar de veículo, e os guias não se decidiam, causando mais um atraso, por isso sua caminhada desde a hidroelétrica até Águas Calientes havia sido no escuro e chegaram super tarde na hospedagem, os guias não tinham lanternas e nem tinham avisado ao grupo para trazê-las.
Na manhã seguinte, cansados, tiveram que subir as escadarias até o parque, e com tanta raiva que estavam, não conseguiram aproveitar como queriam o passeio no parque. Logo que entraram tiveram que voltar porque o transporte para volta os esperava em determinado horário. É claro que a agência terceirizava os transportes.
Admitimos que a situação deles tinha sido mais frustrante que a nossa, porque não foi nada barato o pacote que eles compraram com a agência, para que eles não fizessem absolutamente nada a mais do que você faria por conta própria.
A moral da história é que teria sido melhor ter ido de Bicicleta até Ollantaytambo, e de lá seguir a pé pelos trilhos do trem até Aguas Calientes. Mas na época não sabíamos desta alternativa…
No último dia em Cusco o pessoal do Estrellita nos pediu pra assinar o livro de visitas. Aí nos mostraram uma página que um grupo de Israel escreveu, detalhando como entrar em Machu Picchu sem pagar a entrada do parque, uma verdadeira odisséa que inclui caminhadas pela mata no meio da madrugada.
Se você faz o tipo corajoso, eu diria que vale a pena, só pelo fato de que boicota todos esta máfia de transportes que circunda a “Cidade Sagrada dos Incas”.
Em duas fotos abaixo uma descrição completa com boas dicas de como ir para Machu Picchu escrito em espanhol.