Retomada do Pedal {Fortim-CE a Macau-RN}
{Fortim a Macau}
Trajeto: Fortim> Quixaba>Icapuí>Mossoró> Ponta do Mel> Praia do Rosado> Porto do Mangue> Macau
Distância:~ 266 km
05/01/14 {Fortim-Quixaba}
Depois da difícil despedida dos pais que vieram nos visitar, esperamos o sol dar uma trégua e deixamos a pousada em que estávamos com os pais. Agora é hora de pegar a estrada e encarar a vida real, sem conto de fadas, com os esforços das próprias pernas. Deixamos Fortim às 16h, e duas horas depois encontramos um recanto escondido entre as falésias, já começamos a pedalar pela areia da praia em Quixabá. Tudo muito bom tudo muito lindo, mas esquecemos de pegar água extra, acho que estamos desacostumados. Pensamos que encontraríamos alguma casa ainda próximo à praia, mas que nada. Ainda bem que aprendemos a técnica de tirar água doce na areia. É o seguinte, fazer um buraco em uma área onde a água da chuva fez caminho, algo como um mini-vale da falésia. Aí espera uma meia hora ou mais, para a areia mais fina decantar, depois usa-se essa água tentando fazer o mínimo de tumulto possível. Aqui era um pouco mais alto que o mar, mas não arriscamos usar essa água pra beber, só usamos para lavar a louça e tirar a nhaca de suor antes de ir dormir com a ajuda de um paninho. O gosto era um pouco salgado, mas para limpar o corpo servia como água doce mesmo.
Primeira noite pós-viagem ultra-confort-plus com a família, já prometendo belas paisagens, não fosse estarmos sem água doce pra tomar banho e cozinhar pra nos lembrar que a vida é bela!
Amanheceu na areia da praia, o mesmo cenário da foto anterior só que sob a luz difusa de uma manhã nublada.
06/01/14 {Quixaba – Icapuí}
Depois que clareou o dia partimos a pedalada, de olho na hora da maré. Mas mesmo apurando o passo quando a maré está baixa, lá pelas 10h já estávamos empurrando a bike esprimidinhos entre a água e a falésia, numa areia muito solta e fofa. Empurramos por um bom tempo, até chegarmos na praia de Ponta Grossa, onde há alguns restaurantes e onde conseguimos seguir pela estrada de asfalto por mais um tempo.
Decidimos ir o máximo que pudermos pela areia da praia, só não contávamos com a astúcia da maré, que é cheia de nove horas e nos faz empurrar mais que pedalar.
Passamos por alguns vilarejos à beira mar fantasmas. Casas, muros e barrancos desmoronando pela força do mar.
Não tinha ninguém, não tinha nada lá dentro. Paraíso para uns, ruína para outros.
Pedalar pela areia da praia é lindo, mas são bem breves os momentos em que conseguimos ficar com a bunda no selim.
A beleza da paisagem é sempre proporcional à dureza do caminho. No caso aqui, da moleza da areia, que faz as rodas travarem e as pernas trabalharem mais forte.
Até elas queriam pegar uma jangadinha.
Minha madrinha de batismo, irmã de minha mãe, minha tia Libanirda do coração, eu vivo achando coisas com seu nome. Lá em Manaus foi uma rua inteirinha sua, aqui tem sua lanchonete.
Neste mesmo dia chegamos até Icapuí, onde conseguimos pernoitar na sala de aula da escola municipal, e por estar em férias não foi difícil conseguir a autorização com o vigilante gente fina que chegou justo na hora que cozinhávamos o rango na frente dos portões da escola, sentados confortavelmente no meio-fio. De Ponta Grossa até Icapuí o trajeto seguiu por cima das falésias, estrada que oferece uma vista intermitente, mas maravilhosa, do mar cristalino e o horizonte bem distante. O desnível é grande e há casas na beirada do penhasco de areia. Há muitas pousadas e vimos até alguns campings. O asfalto não tinha acostamento, mas o movimento é bem tranquilo e não pareceu ser uma região muito turística, apesar de linda.
07/01/14 {Icapuí -Mossoró}
Planejávamos chegar só até Tibau, onde nosso amigo Dorgivan tem casa de praia, mas o pedal seguiu a tranquilidade do dia anterior, alguns trechos de paralelepípedo nos vilarejos do caminho e asfalto sem acostamento com pouco movimento. Depois de Tibau o asfalto novo e duplicado abre alas pros ciclistas com um acostamento lisinho e amplo e um vento a favor maravilhoso. Não fosse um pneu furado pelos espinhos dos arbustos desta região árida, teríamos chego ainda pro almoço na casa do amigo. Mas paramos para comer melão em um comércio de frutas na beira da estrada. Estes melões amarelos e super doces tem preço ótimo por aqui, diferente de lá no sul, onde chegam com preço exorbitante, então é bom aproveitar produto local, que delícia! Enquanto estávamos parados por ali descansando, um pessoal se aproximou interessado nas bikes, conseguimos vender algumas fotos postais para eles conforme a conversa foi tomando o rumo do “Vocês sobrevivem de quê?”, e o melão no final saiu por conta do simpático dono da banca. Saímos alimentados e com um troco pras compras alimentícias dos próximos dias. Para nós é sempre bem vindo um escambo pela estrada, alivia a conta do final do mês e também deixa uma recordação para as pessoas que passam pelo nosso caminho.
Dali em diante os km fluíram com todo aquele açúcar do melão nas veias, entramos em contato com o amigo e ele enviou uma escolta maravilhosa nos recepcionar na entrada da cidade. A esposa do Dorgivan, Ozana, os filhos Raphael e Ruan e sua cunhada também. Nos guiaram até sua casa com pisca alerta e tudo mais, assim nenhum veículo nos tirou fina no trânsito sempre caótico de cidade grande. Foi um ótimo dia de pedal, e ser recepcionado assim com tanto cuidado e carinho não é todo dia, por isso e por toda a acolhida, sem falar no apoio virtual desde o comecinho da viagem, somos muito agradecidos ao amigo Dorgivan e toda sua família. Passamos 4 dias na companhia desta família unida e alegre, aprendemos receitas novas com dona Ozana, aquele feijão com leite de coco vai ficar pra história, e a tapioca com coco da Vovó entrou pro nosso livro de receitas diário. Quando era hora de partir, Raphael e Dorgivan fizeram questão de nos acompanhar no pedal, assim a despedida fica mais leve, parece que vai ser só um passeio recreativo, e não uma despedida, aí é mais fácil dizer adeus a mais uma família querida que nos acolhe nessa jornada, vamos nos despedindo em suaves prestações, hehehe. Valeu queridos amigos, aprendemos muito com vocês, descansamos e agora seguimos viagem sabendo que um dia nos retribuirão a visita lá pro sul.
Chegamos em Mossoró, a terra do sal e de pessoas de grande coração. Estes dois são Ozana e Dorgivan, ele nos acompanha pela internet desde o comeciiiinhozinho da viagem, lá em SC, sempre dando muita força.
Parece um dejavu do salar de Uyuni, só que uns 60°C mais quente. Salineiras em Grossos.
Conhecendo o processo de fabricação do sal que vai pra nossa mesa todos os dias.
11/01/14 {Mossoró – região Praia do Rosado}
Depois de um belo descanso na casa dos amigos, voltamos a pegar a estrada, mas não saímos sós, nossos amigos nos acompanharão por alguns km’s.
O pedal segue pelas paisagens áridas do Rio Grande do Norte.
A gente segue viagem se o pneu da bike de Dorgivan deixar!
Pronto, agora com uma aliviada na pressão dos pneus não deve mais furar. Só que o amigo gostou de carregar nossa bagagem, e por pouco não foi ele a seguir pedalando até Santa Catarina.
Um almoço bem servido na cidade vizinha fez nosso amigo se despedir da carga, e ao André não restou outra alternativa, teve que seguir pedalando a bike mais pesada.
Agora seguimos sozinhos, a encarar os ventos e a aridez do litoral do Rio Grande do Norte. Há muitas torres eólicas pelo caminho, muitas dunas e pouca vegetação. Asfalto! O sol queima a moleira e já começam a surgir paragens mais turísticas e menos amigas dos ciclistas pé-rapados. Neste dia não conseguimos lugar para acampar, nem de graça e nem pagando. Passamos reto por ponta do mel, e pegamos uma lufada de vento com areia muito forte e contra, que chegou até a arrancar os óculos do meu rosto. Tipo aquela música “Tapa na cara”. Passei com a roda dianteira e traseira da bike por cima do coitado do óculos, que foi parar em cima duma duna, rolando tipo feno no velho-oeste, ainda bem que é armação flexível e sofreu só escoriações leves. Não dava para ver nada, apreciar nada, e muito menos fotografar ou filmar esse momento tenso. Foi areia pra dentro de orelha, nariz, boca, umbigo e se não estivéssemos bem sentados no selim da bike, ia parar até sabe lá onde! Foi tipo entrar num jateamento, saiu lasca de tinta de tudo que lado, bom que já saímos com esfoliação natural, a pele ficou uma bundinha de neném.
Aqui é seco, quente e o sol não dá trégua, mas sempre tem um ventinho.
Muitas usinas eólicas e nós nem desconfiávamos ainda que o vento por aqui poderia ser tão forte.
Já era final de tarde e nossos planos de acampar na praia foram varridas pra bem longe junto com essa ventania maluca que nem no Piauí vimos igual. Chegamos no vilarejo seguinte, entre Ponta do Mel e Praia do Rosado, junto com a noite e nada de encontrar um lugar protegido pra acampar. Desse jeito montar barraca ia virar pesadelo, por mais que a praia deserta e paradisíaca convidasse, o vento tratava de desconvidar. Até que vimos que haviam muitas casas fechadas com varandões abertos,muitas com placa de “aluga-se”. Perguntamos em uma das poucas casas habitadas se poderíamos colocar a rede e passar a noite na varanda de alguma casa vazia. Conseguimos autorização e até a chave do banheiro onde pudemos tomar banho de caneco. Mas o vento persistiu noite adentro e ele vinha justamente do mar direto pra varanda, direto na cara. Acordamos com uma duna dentro da rede pela manhã, e tomamos café com tapioca, coco e areia, que é pra dar aquela crocância, #SQN!
Acampamento de varanda. Note a duna se formando na beirada da mureta. Assim tava dentro da rede também. Nem a tapioca matinal escapou, foi tapioca crocante hoje…
12/01/14 {Praia do Rosado – Macau}
Seguimos para Porto do Mangue na esperança de conseguir um barco de passageiros direto pra Macau, conforme encontramos informação pela internet. Mas não havia nenhum barqueiro disposto a trabalhar aquela manhã. Entramos no povoado só pra saber do barco, mas valeu a pena conhecer o lugar. Havia vendedores na praça, compramos uma melancia e dois melões, feijão verde e algumas bananas. Comemos a melancia ali na praça enquanto conversávamos com os feirantes gente boa, e levamos os melões pro próximo lanche. Como aqui é bem plano, levar melancia ou melão nos alforges não faz muita diferença. É engraçado que por aqui, diante de todo este calor e vento, não importa quanto de água você beba, uma fruta doce e rica em líquidos como melão e melancia é um verdadeiro e desejado banquete.
Lindo e desolado ao mesmo tempo. Muito vento contra. Depois de Praia do Rosado.
Garrafa de água com meia molhada pra não tomar água choca.
Aproveitamos a conversa na praça pra pegar detalhes do caminho até o barqueiro da salineira. cada um dizia uma coisa. Ótimo viu… A única coisa que todos feirantes falaram igual foi que o barqueiro cobraria algo em torno de R$2 por pessoa, mas teríamos que acertar a entrada na estrada de chão primeiro, não há placas para encontrar a entrada ou a saída a partir do outro lado do rio. Mas por intuição e erros repetidos, chegamos até o barqueiro. Este caminho das salinas é complicado, estão sempre mudando as lagoas de sal e consequentemente os caminhos ali dentro, e algumas ainda estavam em construção. Você segue pela mais larga e com sinais de mais uso, e acaba chegando em um buraco de estrada que ainda não foi terminado. O jeito é voltar e seguir na alternativa seguinte. Quando finalmente encontramos o barco, atravessamos e seguimos com muita fome.
Não havia muita opção de sombra para descansar e o reflexo da água e do sal por ali queima até debaixo do nariz. A primeira sombra estava deliciosa, mas foi parar a bike por uns 10 segundos e fomos atacados por mosquitos em bando. Desistimos! Dentro das salineiras há algum tempo, finalmente encontramos uma casa de motor com 1×1 m de sombra e paramos ali pra cozinhar nosso feijão verde. Conforme o tempo passava, o sol girava e a gente ia mudando de lugar até que a sombra acabou. Eram 15h, fomos chutados pelo sol, voltamos ao pedal. Foi só no final da tarde que chegamos em Macau e não encontramos nenhum camping ou opção econômica, as escolas todas fechadas de férias, decidimos ir até a polícia militar atrás de alguma informação ou ajuda. Por lá uma boa alma decidiu nos ajudar, os demais policiais se dividiam entre curiosos apenas, e outros pessimistas que insistiam em nos contar histórias macabras de assaltos e assassinatos naquela localidade. Com a ajuda do sargento descolamos um hotel, que na verdade é uma universidade em construção, antigamente foi um hotel turístico, tinha até piscina, só que pra nossa tristeza estava vazia. Ficamos novamente em uma salinha de aula junto com os mosquitos, mas depois de um dia quente e um belo banho de ducha, quem se importa? Tínhamos internet e ventilador, mas resolvemos dormir nos bancos “de praça” do lado de fora, era muito mosquito mesmo, não tava dando nem pra ouvir pensamento. Dormimos a salvo dos mosquitos com o liner até os cabelos, o ar da noite estava mais fresco que o ventilador da salinha. Além disso a noite estrelada estava uma lindeza! Ainda assim alguns danadinhos conseguiram nos picar por cima do lençol.
Travessia do Rio de Conchas.
Em Porto do Mangue nos informamos do barco para encurtar caminho até Macau. Esta travessia do rio das Conchas é feita em terreno particular, entre salineiras.
Caminhos entre as salineiras para evitar uma grande volta pelo asfalto.
Lagos rosados formando sal. Parece com as lagunas do altiplano, mesma cor, salinidade alta.
13/01/14 {Macau a meio caminho pra Natal}
Depois de uma noite segura, mas não tão bem dormida, nos despedimos dos policiais e agradecemos a enorme ajuda. Em Macau não conseguimos informação do caminho a seguir pela praia, e acabamos indo pelo asfalto por inércia. Mas coisas tão boas nos encontrariam nesta estrada até Natal, que é difícil não pensar em algo além de puro acaso. Acreditar em sorte? Acho pouco! Ainda não tínhamos onde ficar na capital do estado, mas fomos seguindo pacientes, certos de que tudo se resolveria sem precisarmos nos preocupar… {continua no próximo post!}
Saindo de Macau e rumo a Natal. Na saída/entrada da cidade entre as lagoas salgadas para fabricação de sal, há esta antiga bomba d´água movida pelo vento. Pena que já não está mais em uso.