Rumo ao Extremo sul do Continente
De El Chaltén foi um pulinho até a casa Rosa, uma grande casona abandonada, um antigo parador. Dica de um ciclista alemão que encontramos a poucos quilômetros da cidade. Se não fosse ele, talvez teríamos parado em qualquer barranco pra passar a noite. Mas apuramos o passo e cumprimos os 130km até ali mesmo tendo saído depois das 13h.
Antes do Parador La Divina Luz, que é uma casa como de filmes de terror, há um outro parador, este ativado, que cobra uma exorbitância pelo camping. Nem quero saber quanto deve ser por um quarto com cama. Então fiquem atentos, depois deste parador, há 10km ao sul há a casa abandonada, você pode escolher acampar na beira do rio, debaixo de um salgueiro, em algum dos coloridos quartos, perto da lareira na sala ou até mesmo no porão.
Eu preferiria mil vezes ter acampado perto do rio. Não consegui dormir nadinha. Ficava me lembrando do filme “The Road” depois de ter visto a portinhola do porão sendo aberta pelo André e revelando a escuridão. Demorei a pregar o olho e quando dormi só tive pesadelos. Que noite.
Neste dia tivemos compania de Dieter e Trien da Bélgica, que mais inteligentemente botaram a barraca lá fora e dormiram como anjinhos. Tomamos um café da manhã juntos em uma agradável manhã de sol e sem ventos. Sem ventos! Um milagre! Seguimos rumo à El Calafate.
Abortamos a Missão Calafate porque à tarde o vento contra começou, e seriam 40km até a cidade, mais o custo dos caros campings, conforme já haviam nos informado. De modo que já havíamos sido esfaqueados o suficiente em El Chalten, partimos pra El Bote passar nossa noite de Natal comendo pipoca com cobertura de açúcar queimado e nhoqui com molho de tomate e lentilhas com temperinho de milhares de mosquitos que iam caindo na panela.
Dia de Natal o vento estava doidinho doidinho. Acho que ele não ganhou presente do Papai Noel e decidiu descontar a raiva nos ciclistas neste dia. Não dava nem pra parar pra comer. Então levamos a fome em banho maria até encontrar um poste de SOS, colocar as bicics e o toldo como barravento e cozinhar um macarrão. Nossos lanches rápidos já haviam terminado, e como não entramos em El Calafate, não tínhamos muita comida para chegar até Puerto Natales.
No meio do almoço quem aparece? Isso mesmo. Marco e Ellen que vinham de El Calafate juntaram-se à nós neste almoço de Natal ventoso e frio. Em Cerrito nos disseram que todos ciclistas ficam abrigados do vento com a ajuda do Claudio. Mas a família dele estava fazendo festa na garagem fechada então nos contentamos com a garagem aberta mesmo. Já perto das 23h, e ainda dia, chega um ciclista alemão viajando super leve, havia saído de Puerto Natales naquela manhã, e havia cumprido 180km. Algo que levaríamos 3 dias para fazer no sentido contrário.
De Cerrito a Tapi Aike foi um dia inteiro de sofrimento e novamente muitos palavrões em italiano. Ao menos conseguimos ver flamingos rosados bem de perto e alguns graxains bem mansos ao lado da pista. Em Tapi Aike também deixam colocar barraca, e o Valter, que trabalha pra compania Vial, até nos convidou a tomar uma ducha quentinha. Muito amável, ele até preparou uma mesinha no quintal e um barra vento para bem alojar os ciclistas. Pessoas que estão na história do cicloturismo patagônico por suas atitudes simples, solidárias e humanas.
O vento continuava a soprar e decidimos mesmo assim pular bem cedo. Só nos restava um pouco de farinha de trigo e de milho, um pouco de arroz e um pacote de macarrão. Polenta com farinha de trigo e açúcar já havia sido nossa refeição no dia anterior, então só sobrou tomar café da manhã comendo macarrão puro, sem molho nem nada, nem óleo nos sobrou. De emergência, os amigos Ellen e Marco ofereceram um pacote de polenta que carregavam como extra. Por sorte ainda não havia sido necessário, ainda tínhamos um pacotão de pipocas estouradas pra lanche.
Fomos nos arrastando até Cerro Castillo, sempre revezando a ponta a fim de pouparmos esforços. Ao chegar à aduana Argentina, Marco vê um ônibus cheio de turista se aproximando e grita “Go before the fucking BUUUUSSSSS”. Obedecemos a ordem de “Ir antes do maldito busão” debaixo dos risos do motorista. Realmente teríamos que esperar 40 pessoas caso nossas pernas não tivessem cooperado nesse sprint final. (Corking não é útil somente em Massa Crítica!)
Ainda pedalamos mais 30km este dia. Não foi possível ver as Torres del Paine de longe porque o tempo estava feio. Conseguimos autorização pra acampar num recuo de grama um pouco escondido da rodovia. De quebra ganhamos um pão caseiro do estancieiro, ele mesmo havia feito. André trouxe com a missão de deixar o pão aos amigos ciclistas não veganos, já que o pão levava ovos. Não temos vergonha em admitir que não resistimos ao pão caseiro do tio, quentinho e caseiro de forno à lenha. Estávamos famintos e não havíamos conseguido comprar muita coisa em Cerro Castillo, já conto o porque. Devoramos o pão! Pobres futuras vidas galináceas tolhidas pela fome ciclística. Tentaremos fazer com que isso não se repita! Carregaremos mais comida da próxima vez!
Mas, nos recusamos a ser esfaqueados por mercenário turísticos. Estávamos com frio e paramos pedir um café na El Ovejero, em Cerro Castillo. Pedimos 3 cafés e em troca esperávamos usar a wifi pra enviar um e-mail de alívio aos familiares. A wifi caiu e solicitamos ao dono verificar pra gente. Ele devolveu com um rude “Mas vocês só compraram 3 cafés!”. E não se deu ao trabalho de reiniciar o modem pra gente. Queríamos comprar alguma comida, mas estava proibitivo. Um pacote de bolachas que costuma custar R$1,20 estava a R$6,00 no estabelecimento do nada simpático sujeito. Depois descobrimos que havia uma vendinha mais modesta e conseguimos comprar uma geléia lazarenta e o pacote de bolacha referido por uns R$4,00. Realmente há algo de errado com a exploração turística em Torres del Paine. E é sobre isso que talvez venhamos a falar no próximo post.
- Entardecer nas montanhas.
- Valter, em Tapi Aike
- Pampas pampas, RN-40
- Cerrito, acampados na garagem do único abrigo do vento em km’s e km’s
- Lago Argentino
- E a chuva vem!
- Os mais lindos céus são Patagônicos
- E chuva multicolorida
- Mansão Rosa
- Sala arrumadinha
- 7777 km, quase 7 meses na estrada, dia 27 de dezembro. Muitos setes!
- Pontinhos coloridos na estrada, C.Castillo a Pto. Natales.
- El Ovejero Café #NOT
- Café da manhã com Dieter e Trien