Subida da Pré Cordilheira e encontro com os picos nevados dos Andes
Resolvemos os problemas monetários em Villa Media Água, nos abastecemos bem de água e comida e seguimos em direção a Los Berros e Pedernal. Pernoitamos grátis e com ducha caliente no camping municipal em Pedernal, local onde termina o asfalto. Os cães não deram sossego à noite e ainda mijaram na barraca, além de terem roubado nosso pão. Porra dogs, tenham dó dos vegetarianos poxa. Roubar nosso pão?! Pô! Sacanagem das brabas! Ainda mais que não teríamos onde comprar comida até Uspallata, ou seja, na melhor das hipóteses dali a três dias.
Acordamos cedinho, tentando começar o pedal logo, pois muita subida nos esperava, mas ter que lavar barraca de mijo de cachorro atrasa a vida, ô se atrasa! Começamos a pedalar as 10h, e o calor era muito forte, o reflexo do areião tem efeito mais bronzeador que as areias de Floripa. Precisamos improvisar um turbante e seguimos subindo. Por enquanto as estradas estavam boas, rípio compactado e tudo, sabe, um Luxo! Isso enquanto ainda haviam vinhedos e produção de outras frutas por ali. Tão logo acabaram as propriedades a estrada foi encrespando.
Em Santa Clara há uma cruz amarela e uma casinha. Foi o único local onde encontramos um fio de água correndo num riachinho. Não havia ninguém na casa, só os animais, a placa solar e a antena da Directv. Filtramos e fervemos um pouco de água por ali pra nos hidratar com um cházinho e descansar antes da pauleira realmente começar.
De Santa Clara em diante as subidas ficam bem fortes e não conseguimos avançar muito mais que alguns poucos quilômetros neste dia. Seguimos até perto das 19h e paramos botar a barraca aonde seria o leito da água em época de chuvas. Ao lado havia um abrigo de pedra, mas ela não cabia lá dentro pois havia uma árvore de espinhos imponente.
A noite estava calma e tranquila, a lua cheia iluminava os paredões de pedra e fizemos uma fogueira pra espantar os pumas, afinal, nos alertaram muito enfaticamente da existência deles por essas paragens. Fomos dormir e havia muito silêncio. Tanto silêncio que até dava medo.
Até que nossa moleza terminou com as insanas rajadas de vento. Ou melhor, os tapas na cara de um vento que entortavam as varetas da barraca. Antes de ficarmos sem abrigo pras próximas noites de viagem, resolvemos guardar tudo e desarmar acampamento. Eram 2h da manhã e a lua continuava iluminando o paredão, mas logo ela se esconderia e ficaria uma escuridão.
Fomos nos abrigar dentro da antiga casa de pedra. Fizemos um café pra espantar o frio e o sono. Facão e spray de pimenta em punho, atentos a qualquer ruído de pumas. Passamos um verdadeiro cagaço essa noite. Ficamos acordados a noite toda esperando só o dia clarear. O André ainda contou de um ciclista que foi atacado por um puma, acho que foi no Canadá, e que passou no discovery ou algo assim, porque o cara sobreviveu. Aondéquefumonosenfiar, mamãe?! Queufizdaminhavida?! Manda ozelicóptero pra nos tirar desse buraco! Mas aí chegou o dia e tudo beleza de novo…ou não!
Guardamos tudo nas bikes e seguimos empurrando a bicicleta montanha acima. Não há muita vegetação nem muitos animais. Apenas vimos passarinhos e morcegos. As montanhas iam ficando mais e mais altas conforme subíamos. Tantas formas e cores em poucos quilômetros de trajeto. Muitas com desmoronamento. A estrada sempre acompanhava o leito da água, e aos poucos foi diminuindo, o que indicava o fim das subidas. Os braços queimavam e os ombros doíam pra caramba de tanto empurrar. Nessas horas se pensa em tudo que não é estritamente necessário à sobrevivência na estrada, como pratos, por exemplo. Até porque pra economizar água acabávamos comendo só na panela.
Mas a subida chegava ao fim, e no horizonte se descortinou um maravilhoso pico nevado. Uma emoção muito forte tomou conta de nós. Eu não conseguia parar de gritar (palavrões). A subida tinha sido muito difícil, e a noite anterior então… Há horas eu já imaginava que o presente seria um pico nevado, mas não conseguia pintá-lo tão lindo na minha imaginação. Na realidade os Andes são muito mais apaixonantes e maravilhosos. Nossa primeira montanha com neve, sim, porque a gente é juninho, ainda café com leite, sabe comé?
Uhul, descida! Só por ela que não chorei. Mas o vento vindo das montanhas quase nos derrubava da bicicleta, e o rípio ficou pior, descemos ainda mais a pressão dos pneus. Encontramos um rapaz de camionete que nos deu água e uma informação precisa, mais 25km até a encruzilhada de estrada que liga Uspallata a Barreal, e de lá mais 60km até Uspallata, também por rípio.
Depois disso conseguimos avançar só 5km e paramos num elevadinho de mini-montanhas de areia, tentando encontrar local abrigado para a barraca, daquele vento insano. Encontramos uma arvorezinha que oferecia alguma proteção, ao menos pra dois corpos. Tomamos uma decisão muito errada neste dia. Cavamos um buraco na areia onde caberiam dois isolantes, estenderíamos o toldo sobre as bikes que ficariam ao nosso lado e dormiríamos ali embaixo. Levamos um tempão catando pedras pra colocar ao redor e arrumando o toldo. Quando estávamos com o trabalho finalizado e já deitados naquela poeira suja, nos olhamos e começamos a pensar no pior.
Pior que quebrar a barraca nesse vento seria, ser picado por algum bicho peçonhento, se há ratos por aqui, como vimos, devem haver cobras, devem haver escorpiões e aranhas venenosas, sem falar nos pumas, afinal, estávamos ao lado do Parque El Leoncito, que não leva este nome em vão. E pra piorar, não passa uma viva alma nessa estrada. Quando concluímos os contras de nossa “cova andina”, o vento parou e a noite caía. Aramamos a barraca sobre o buraco e sustentamos com as pedras, porque na areia os espeques não faziam grau. Estávamos no desespero e num extremo cansaço, mortos de medo do vento aumentar de novo.
O vento só diminuiu e dormimos por dois dias, sabe, literalmente por dois dias. Acordamos com este maravilhoso presente, veja as fotos abaixo, elas nem traduzem de perto a beleza que foi esse amanhecer. Estava muito frio, e a água nas garrafas estava cheia de cristais de gelo.
Seguimos os próximos 20km no rípio solto, mas leve descida e agora sem vento pelo menos. Paramos fazer um cafézinho e passou uma camionete que nos deu mais uns ml’s de água. Logo chegamos à encruzilhada, e apesar de ser rípio a estrada pra Uspallata parecia bem melhor, e era bem mais transitada. Enchemos um pouco mais os pneus e enquanto isso o vento a favor deu o ar da graça. Assim nos empurrou até encontrarmos o asfalto novamente.
Nesse meio tempo paramos cozinhar um arroz sem sal, porque o nosso acabou, numa grutinha dividida entre Gauchitos e Difuntas. Passamos por um sítio arqueológico Inca e o tempo foi esfriando e nublando. O asfalto chegou 16km antes do que nos haviam dito. Asfalto novinho e nada transitado. Muitos speedeiros treinando. Apesar de ser 16km de descida tivemos que pedalar muito, porque justo ali no asfalto começou a soprar um vento contra gelado demais. Tivemos que nos agasalhar e pedalar forte pra esquentar o corpo.
Em Uspallata pesquisamos por campings e o preço não é tão absurdo quanto o de Capilla del Monte. Pelo visto Et’s trazem turistas mais cheios da nota do que o montanhismo no Aconcágua. Ficamos mais um dia na charmosa cidade rodeada por picos nevados e descemos a Potrerillos sem pressa. Mas os cães voltam a aprontar conosco no camping, roubam nosso papel higiênico! Papel higiênico, dogs, pô!
A descida era forte mas o vento encanava naquelas montanhas de um jeito que rebatia nos paredões e nos desequilibrava a cada instante, sempre contra. O pior disso tudo foi o intenso movimento de caminhões e a existência de estreitos 7 túneis, nos quais o vento ficava ainda mais forte. Foi preciso paciência e uma dose de boas paisagens pra tirar o estresse. A estrada é linda e vai descendo junto com o Rio Mendoza e a antiga estrada de Ferro.
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