Travessia Transmantiqueira {4 de 4} PN Itatiaia- Ruy Braga
- Preparação para Travessia Transmantiqueira
- Marins X Itaguaré
- Serra Fina
- Parque Nacional Itatiaia: Ruy Braga
Percurso a pé: de Piquete ao portão da parte baixa do parque Itatiaia
Período: 3 a 17 de Maio de 2016
4. Travessia Ruy Braga
Galeria de fotos completa ao final do post.
Transporte: Terminal Tietê, São Paulo-SP ônibus pela viação Cometa até Lorena-SP. Ônibus circular de Lorena até Piquete.
Tracklogs e relatos de referência: Cocô no Mato, A Montanhista, Mochileiros.com (Tiago Korb)
Resgate: não utilizado (vide referências acima para contatos)
Trajeto a pé deste trecho: Refúgio/camping Rebouças até portão da parte baixa do Parque Nacional de Itatiaia (do portão até a cidade utilizamos carona, mas há horários em que passa um ônibus, pelo que soubemos as 13h e as 17h)
Distância percorrida: aprox 20km (não marcamos nossa rota, apenas estimamos pelos tracklogs consultados)
Navegação:
- Aplicativos GPS para IOS: GPS Trekker e Wikilok e para Android: Locusfree,
- Mapa em papel com curvas de nível disponíveis no portal Extremos
- Bússola de camelô (esquecemos a nossa em casa) e que ainda parou de funcionar,
- Dezenas de relatos baixados para Kindle em formato epub,
- Anotações primordiais nos mapas de papel.
- Bateria extra usb (powerbank) para até duas cargas dos dispositivos eletrônicos.
Pontos de água utilizados:
- Primeiro ponto Refúgio/camping Rebouças
- Segundo ponto algumas centenas de metros antes do Abrigo Massena, em uma espécie de pântano com água corrente em área com vegetação mais alta, há pequenas árvores mais altas do que o costumeiro capim. Há umas telhas velhas servindo como calha para abastecer os cantis, não é muito claro este ponto de água, mas ela passa pelo meio da trilha.
- Após Abrigo Massena durante a descida há diversos pontos de água, não se preocupe. Carregamos somente 1L cada um neste ultimo dia e reabastecíamos a cada nova nascente.
Resumo Pernoites:
- Camping Rebouças
- Acampamento dentro das ruínas do Abrigo Massena
- cidade de Itatiaia
1°dia
Do camping Rebouças ao abrigo Massena
Saída: 11h| Chegada: 13h
Distância em estrada: ~ 5 km
Apesar da noite ter sido estrelada e de lua, amanheceu chovendo. Como o trajeto do dia seria curto, apenas 5km, aproveitamos para descansar do extenuante dia anterior em que caminhamos mais de 20km sob sol quente e praticamente só por estradas.
Quando a chuva deu uma trégua, e até saiu um sol tímido, aproveitamos para secar a barraca e guardar todo equipamento rapidamente na mochila. Aproveitamos também a estrutura do camping, em que há mesa, dois tanques para lavar roupa e louça, e um telhado acolhedor, para terminar de organizar tudo, pois logo a chuva voltou.
Assim que nos agasalhamos para enfrentar a chuva fina e o frio, chegou ao camping um caminhão do exército, com muitos caras debaixo de chuva na carroceria. Eles descarregavam banheiros químicos que seriam utilizados em um exercício no dia seguinte. Cumprimentamos todos e seguimos.
A trilha desaponta um pouco pois começa bem ampla, com a possibilidade de até veículos passarem em diversos trechos, inclusive com pedaços com uma espécie de asfalto. Ainda não sabíamos, mas esta trilha já havia sido uma rodovia! Só tomamos conhecimento deste fato quando chegamos na casa sede do parque na parte baixa. O que sim sabíamos era que havia sido uma estrada que agora estava desativada.
O trajeto foi bastante fácil comparado ao que enfrentamos na Marins-Itaguaré e Serra Fina dias antes. Há sinalização pra todo lado, a trilha é super aberta, e não foi necessário consultar o mapa ou o gps em nenhum momento. Sem falar que não havia nada enroscando na mochila, na roupa, ou que dificultasse a caminhada, o que tornou muito fácil pra nós e pudemos desfrutar com mais tranquilidade a paisagem sem maiores preocupações.
Logo no início do trecho saímos da trilha para ir até a base do Prateleiras, já que teríamos tempo de sobra hoje. Esclarecemos que até para esta caminhada é necessário requerer a autorização na portaria do Parque. Gostaríamos de ter ido até a base do Agulhas Negras, mas não nos autorizaram e também não teríamos tanto tempo hábil pra isso, devido a nossa ida ao Encontro Nacional de Cicloturismo dias depois, teríamos que chegar a Itatiaia no dia seguinte para pegar o ônibus.
A trilha para a base do prateleiras é super demarcada, tendo alguns trechos até com um tipo de calçamento rústico com pedras. A trilha parece ser tão usada que chega a estar bem erodida. Só o clima que não deu muita trégua, fazia frio, ventava e chuviscava a cada pouco. Céu azul só era capturado na sorte daqueles breves segundos que o vento espantava uma nuvem ou outra. A umidade era alta também, por vezes o horizonte fechava de neblina.
Neste trecho da parte alta do parque até o Abrigo Massena encontramos algumas dezenas de pontos de fezes de algum grande felino. Sempre sobre pedras de amplo campo de visão, conteúdo repleto de pelos acinzentados, algumas velhas e outras bem frescas. Com muita chance de ser de onça parda, o puma concolor. Ainda encontramos diversas fezes de felinos menores, talvez filhotes, também com muito pelo e sempre em locais limpos como pedras ou grama baixa.
Depois na sede do parque descobrimos que na parte alta há diversos animais carnívoros de hábitos diurnos e noturnos. Quem tiver interesse, recomendo este material sobre os animais estudados na parte alta do parque Monitoramento de felinos e suas presas no Parque Nacional do Itatiaia. Não tivemos o privilégio de avistar nenhum bicho, e hoje só passamos por um casal que estava fazendo a trilha do Prateleiras.
Depois de voltar à trilha da Ruy Braga, logo começamos a avistar alguma coisa que parecia uma ruína de uma pequena casa. Há uma araucária descabelada pelo vento que aponta numa só direção. Não chegamos a passar perto desta construção, e logo após avistá-la passamos por um dos poucos pontos de água do trecho. Abastecemos toda carga pois sabíamos que já estávamos bem perto do abrigo Massena.
O ponto de água não é muito evidente, parecia mais um pântano, mas a água fluía. mesmo assim tratamos com esterilizador UV, pois havia fezes de algum bicho muito próximo. Havia umas calhas velhas que facilitavam pegar água com menos resíduos de plantas. Mesmo se alguém passar por ali desapercebido, é só ir até o abrigo e voltar, não é muito longe.
Chegando no Massena largamos as mochilas, era super cedo e a vontade era de seguir, mas não tínhamos certeza se conseguiríamos chegar no macieiras até o anoitecer, e dali havia uma paisagem muito linda, quando o vento soprava a névoa por alguns instantes. Aproveitamos a sobra de tempo e energia pra perambular nos arredores. Há uma casa abandonada mais acima, uma construção curiosa. Andando ao redor do abrigo pudemos perceber que tem geado com frequência, o capim tava todo queimado, deixando mais evidente os cocôs de puma ali por perto.

Nossa barraca não é auto-portante, mas mesmo assim não tivemos dificuldades em encontrar algo para amarrá-la. Com um bastão de caminhada e umas pedras de um lado, um cabo de vassoura e mais pedras do outro, tudo certo pra uma noite bem abrigados.
Por via das dúvidas, se há pumas ou não, colocamos a barraca dentro do abrigo mesmo, e fechamos a porta e as janelas. Assim mesmo abrigados assim que o pôr-do-sol vermelhão se foi, o frio nos pegou de jeito. Fomos pra dentro do saco de dormir não eram nem 18h. Jantamos em seguida, e antes das 19h já deveríamos estar dormindo.
2° Dia
Do abrigo Massena ao hotelzinho do lado da rodoviária de Itatiaia
Saída: 8h | Chegada: ao Maromba 12h, à sede do parque 13h30, à cidade 17h
Distância: ?
Sabíamos que o dia seria longo e com um trecho grande pra percorrer, felizmente predominantemente de descidas. Saímos de dentro do abrigo e a geada gelava tudo lá fora, o sol demora a bater aqui pela manhã. O termômetro do abrigo marcava -6ºC. Tudo branco!
Como despertamos ainda escuro, conseguimos começar bem cedo a caminhada com a intenção de conseguir chegar na cidade ainda com luz do dia. O primeiro trecho é bem plano e com leve descida, e logo a vegetação de altitude começa a dar lugar a uma vegetação mais vistosa e mais verde escura, mais alta e mais úmida também. Com a perda de altitude começa o efeito cebola, o calor abafado debaixo da floresta faz molhar a roupa, e onde não é suor é a vegetação cheia de orvalho que dá conta de molhar.
O caminho de descida é repetitivo, pois vai seguindo suavemente pelas curvas de nível, já que segue o caminho da velha estrada. Passamos por diversas fontes de água e também pelo intrigante abrigo Macieiras, construído e batizado com esse nome pois ali houve uma vez um pomar de maçãs. Depois passou a abrigar montanhistas, e agora está em completo abandono e deterioração. Entramos lá pra espiar a construção, nos impressionou as gambiarras de aquecimento de água para o banho da galera, tudo na base do fogão de lenha, e as antigas louças com desenhos tão diferentes dos de hoje ainda se encontram por lá.
Ficamos imaginando onde haveria lugar pra maçãs debaixo daquela densa floresta, muitas araucárias bem altas e outras nativas ao redor, imensas. É tão estranho pensar que tudo ali ao redor um dia foi desmatado, cultivado, e com o tempo e descanso a natureza retoma seu equilíbrio. Aliás, toda a trilha daqui pra baixo parece ser um manifesto natural de reclame do espaço. Os bambuzinhos já voltam a querer nos deter, a vegetação faz o caminho estreitar, e se não fossem as polainas anti-cobra, caminharia com os olhos voltados constantemente pro chão, pois o mato na maior parte do trecho é alto, e a parte baixa do parque já tem um clima completamente diferente, calor úmido, é disso que as serpentes gostam.
Tentamos agilizar ao máximo a descida, mas não dava pra seguir tão rápido pois minha bota e do André começou a descolar após aquela chuvarada no final da Serra Fina. Improvisamos com cinta prata, mas essas coisas não aguentam, então o jeito foi ir na maciota pra não ter que seguir de pé descalço como certa vez no Pico Paraná, que o tênis do André descolou completamente da sola.
Não que a gente vá pra trilha com calçado porcaria. É que ficamos 2 anos sem usar nossos calçados enquanto viajamos de bike, e a cola de sapato tem um prazo de validade. Já as botas que usamos desta vez compramos semi-novas, e também estavam paradas com os antigos donos por um bom tempo sem uso. Mas elas iriam aguentar a gente chegar até a cidade com um pouco de cuidado. (Depois que retornamos conseguimos contato de um cara que faz um excelente trabalho de recuperação de botas de trekking www.facebook.com/ressolabotas/, fica aqui nossa recomendação do bom trabalho do cara, as botas voltaram como novas!)
Depois de avistar um Tangará Dançarino (aquele azul e preto com topete vermelho) sem sucesso de fotografá-lo, e ouvir dezenas de bandos de macacos sem conseguir vê-los, e passar por centenas de borboletas, chegamos a cachoeira do Maromba pra comer o resto da janta como almoço e seguir pernada agora pela estrada pavimentada do parque. Após passar por diversas construções e empreendimentos privados dentro da área do parque, sem entender muito como essas coisas existem e o motivo de mansões estarem ali destoando da paisagem do mais antigo Parque Nacional do Brasil, chegamos na casa sede do Parque.
Ali sim conseguimos ver de perto praticamente todos os animais que habitam essa área de proteção. Porém estavam todos já mortos e empalhados. Alguns eram apenas ilustrações ou fotografias. Tudo meramente didático. Mas deu pra perceber a dimensão da variedade inimaginável de bichos que uma pequena área como esta abriga. Por quê há tão poucos parques nacionais? E qual o motivo pra só alguns terem plano de manejo e acesso como este? Por quê é tão burocrático o acesso e permissão pra certas trilhas?

Durante descida para a parte baixa, um dos poucos pontos de mirante sem vegetação que dá vista a parte alta.
Muitos questionamentos ficam na nossa mente, principalmente porque após essa caminhada nossa intenção era seguir para os cânions de Aparados da Serra, mas não há autorização da ICMbio para visitação de caminhantes na área deste parque até a data de publicação deste post. Uma baita situação frustrante. Pelo visto só é possível conhecer tal pedaço de mundo na ilegalidade. Ou quando estivermos já velhinhos e precisarmos chegar lá de bengala, é que tá difícil a vontade destes órgãos federais de organizar decentemente os parques naturais por essas bandas.
Bom, o ônibus das 13h já havia passado mesmo, então aproveitamos pra descansar um pouco ao sol e secar os pés enrugados antes de enfrentar a estrada até a cidade. Estávamos animados pra seguir caminhando, mas já havia acabado toda nossa comida, e até a cidade levaríamos toda a tarde caminhando. O próximo ônibus pouco ajudaria, só as 17h. Então seguimos a pé até próximo da portaria baixa do parque, onde conseguimos uma carona até a rodoviária com um simpático casal.
Em Itatiaia conseguimos uma pousada simples a R$30 por pessoa, perto da rodoviária. Não haviam muitas opções ali perto. O nosso ônibus só sairia na manhã seguinte. E aqui terminou a perambulante jornada pela Mantiqueira, mas por termos data pra voltar, ficou a vontade de voltar e passar mais tempo nessas montanhas, e quem sabe na próxima com mais sorte com o clima, que é pra poder contemplar por mais tempo essa amplidão, e não só ficar espiando pelas frestas das nuvens.
Fim!