Trekking Ciririca
Ciririca, a montanha onde você se f#d& pra chegar e pra sair, mas não ficará p#+o (se sair vivo). Descubra no relato abaixo o porquê desta afirmação!
Trajeto: Ciririca ida por baixo – volta por cima {Fazenda Bolina até Ciririca – Luar – Tucum – Camapuã}
Tempo: 3 noites e 4 dias
Para chegar na trilha
Partimos do centro de Curitiba, mochila cheia e pesada como da vez anterior, quando fomos ao Pico Paraná (que você pode ler o relato aqui), pegamos o mesmo ônibus das 6:30 que vai para Registro na rodoviária, só que desta vez, sabe-se lá o porquê, pagamos a metade do preço, sendo que saltaríamos só uns poucos km antes.
A entrada é numa estradinha rural depois do posto Tulio II (após entrada para a Graciosa), o motorista pára e você fica ali na quebrada, em pleno acostamento mesmo, não tem ponto. Então começa a caminhada!
Quase uma hora a pé pela estrada de chão até a Fazenda da Bolinha, chegamos perto das 9h. Ali você conversa com quem estiver na última casa da rua na fazenda, eles cobram uma contribuição por pessoa, independente da quantia de dias que você vai ficar na trilha, o valor é o mesmo, R$10 por pessoa.
Era uma segunda-feira e o rapaz que nos atendeu era empregado do proprietário da ultima casa. Ele foi muito gentil e nos forneceu informação atualizada sobre a trilha e pontos de água, já que havia feito ela no dia anterior, realizando manutenção da vegetação e sinalização.
Achamos justa a contribuição, eles não recebem nenhuma verba governamental por manter o acesso ao parque e a trilha limpa, a entrada e entorno bem arrumado, e isso já dá uma trabalheira danada.
O perrengue começa
Ficamos ali um tempo, descansando do primeiro trecho de caminhada pela estrada, fazendo um lanche e conversando com o rapaz, começamos a trilha tarde pelo tanto de caminho que teríamos pela frente, era passado de 10h já. Primeiro erro.
No início há muitos pontos de água, e nos distraímos muito com as imensas árvores presentes neste vale, levamos este início na maciota demais, mas a beleza do lugar era hipnotizante. Segundo erro.
O começo é de relevo suave, uma leve subida que engana o grau de dificuldade que está por vir e negligenciamos os relatos falando que a trilha é extremamente difícil, chegam a comparar o Ciririca ao K2 do sul do Brasil (sendo o PP seu “everest” equivalente).
Antes da bifurcação encontramos um trilheiro e perguntamos sobre o estado do caminho, ele fez ida por cima e volta por baixo, disse que estava boa e sem muita lama. Nós pensamos de fazer ida por baixo, duas pernoites na montanha e a ultima pernoite na fazenda, mas o caminho tinha seu próprio plano para nós, e não foi possível seguir nossa vontade.
Então lá pelas tantas passamos por uma bela cachoeira um pouco escondida acima da trilha. Pensei “Só pode ser a tal cachoeira do professor. Nos relatos e mapa aparecem como referência e no nosso mapa estava como metade do caminho e bem próxima das ultimas fontes de água”. Ficamos ali um tempinho descansando, fotografando, pensando que já estávamos pra lá da metade do caminho e que tudo estaria sob controle. Terceiro erro.
O vale é realmente muito impressionante, eu nunca estive na minha vida em local similar em abundância de árvores gigantescas, seria um desperdício não tirar um tempo para ficar apreciando a paisagem. Os riachos eram todos dignos de cenário de filme de fadas e duendes, parecia que estávamos mesmo em um local encantado. Mas o encanto se transformou logo em sofrimento.
Problemas com a navegação
Como não conhecíamos a trilha, ligamos o GPS mais a frente da cachoeira por pensarmos ser este um dos últimos pontos marcados como fonte de água antes da subida ao cume, apesar de nenhum Ciririca estar realmente na vista, estávamos subindo bastante. Víamos montanhas muito altas para todos os lados.
O único ponto de acampe na trilha por baixo é no próprio cume, conforme nosso mapa. Por isso todos que desejam chegar lá tentam sair o mais cedo possível. Mas nós negligenciamos essa informação e nos demos mal.
Por estarmos bem no fundo do vale, rodeados por montanhas e cobertos pela copa das árvores, o mapa tecnológico não adquiria precisão e informava que estávamos completamente fora da trilha. Mas não havia outra trilha!

GPS #fail, abaixo da densa copa das árvores a traquitana tecnológica não adquire precisão. Achamos que esta era a cachoeira do professor, só que não!
Seguimos então, pensando ser aquela a “cachoeira do professor” e nos abastecemos com muita água. Era próximo de 15h aí, e essa não era a cachoeira demarcada, logo percebemos que estávamos um pouco desorientados, apesar de estar na trilha certa (a única visível), nos encontrávamos num ponto muito mais atrasado do que imaginávamos.
Seguíamos ouvindo muito barulho de água, ou seja, estávamos carregando muito peso desnecessário, drenando nossas energias e desperdiçando um tempo precioso. E as subidas e descidas íngremes não terminavam nunca.
Logo anoiteceria, debaixo da copa das árvores ainda mais rápido, e nós não tínhamos ideia de que ponto estávamos. Até que chegamos na cachoeira do professor de verdade, era sem dúvida a verdadeira, sua beleza não poderia ser confundida. Estávamos bem mais atrasados do que o bom juízo recomenda.
Aí um leve desespero se instalou, pensava “De jeito nenhum que eu subo ao cume do Ciririca sob a luz da lanterna, sem escadaria ou cordas em paredes quase verticais. De jeito nenhum que eu passo a noite encostada em alguma árvore por falta de local onde a barraca possa ser instalada nesse vale tão denso e íngreme”. André permanecia tão tranquilo quanto no começo da trilha.
Dificuldades do trajeto
O caminho por baixo foi bastante difícil com tanto peso, era a comida para mais dois dias massacrando os ombros, sobrecarregando joelhos destreinados. Pra piorar esquecemos ponteiras com aba dos bastões e eles afundavam no solo esponjoso não servindo pra muito coisa.
O relevo é uma sequência bem abrupta de subidas e descidas, íngremes, em meio a muitas raízes, um solo instável e delicado emaranhado sobre gretas de pedras enormes.
Era impossível pra mim seguir mais rápido, pois isso implicaria tomar pouca atenção com o caminho em si, como pisar em falso ou não segurar em árvores e raízes com a devida precaução, virar o pé e coisas do tipo.
A impressão era de que um pulo mais forte de um degrau pra outro poderia romper aquela trama de raízes finas, folhas secas e nenhum solo, era como pisar num colchão sobre uma cama de molas. As vezes dava para ver um oco muito fundo debaixo dos pés.
Como seguimos ouvindo barulho de água esvaziamos todo o volume extra para seguir mais leves, notadamente encontraríamos um rego de água antes da subida principal, mas não tínhamos certeza, era só um chute.
Neste ponto já estávamos tão cansados que qualquer clareira seria tentadora. Se ela ao menos existisse, seria perfeito montar a barraca e chamar isso de dia. Claro, não surgiu qualquer clareira. Ao menos encontramos um fio de água antes da subida final.
Enquanto abastecíamos as garrafas checamos o GPS outra vez, e desta região já menos densa e mais alta, conseguimos alguma precisão. Era quase final de tarde e já sabíamos que se não houvesse mesmo nenhum ponto de acampamento antes do cume, teríamos que enfrentar o trecho final e mais arriscado, em plena noite mesmo.
Ouvir o medo não era uma opção
Enquanto caminhávamos, a meditação da marcha. O cansaço misturado com a resignação de ter que se embrenhar na noite andando na montanha mudou meus pensamentos e aceitei a realidade. Não sei o que desencadeou essa tranquilidade, mas me senti mais calma com algo que me causou tanta apreensão algumas horas antes.
Não tinha escolha, então o melhor que pude fazer foi tentar dominar a mente, tentar esquecer a ansiedade por algo que não está sob meu controle. Tentar distração com a beleza do caminho, ou ao menos fazer um esforço para apreciar o motivo todo que nos trouxe até aqui.
O sol já queria se esconder atrás de outras montanhas quando acessamos uma região de vegetação baixa. Umas nuvens pesadas e cinzentas penteavam as montanhas mais próximas do mar, como se fosse um lençól branquinho cobrindo-as até que também se instalaram do lado oeste da montanha.
Paramos uns instantes para uma foto deste momento, que diferença faria mais 5 minutos pra quem vai enfrentar mais algumas horas caminhando no escuro mesmo? A luz estava muito boa, valia a pena.
Fim do 1° dia
Largamos as mochilas, descansamos um pouco e o André se prontificou a dar um passeio adiante para ver se naquela região que parecia um pouco mais plana lá na frente poderia haver algum local com potencial para dormirmos. Ninguém tava a fim de caminhar mais, parecia o correto a se fazer.
Ele voltou animado, a menos de 100 metros dali havia uma área que parecia recém revolvida, haviam arrancado umas toceiras de vegetação com alguma ferramenta, não daria pra alguém ter aberto aquela área às pressas e com as próprias mãos.
Foi feito um acampamento intencional antes do cume. Largamos as mochilas aliviados. O sol já era, trocamos de roupa rapidamente pra não perder muito a temperatura do corpo. Isso daria mais fome e o jantar demoraria a ficar pronto.
Esse ponto de acampe logo antes do cume foi muito bem vindo, assim poderíamos subir sem peso no dia seguinte e arriscar menos em uma trilha que soubemos que não haveria cordas ou escadarias de ferro fixadas na pedra. Não chegaria a ser escalada, mas pelo que vimos no PP, seria assustador o suficiente.
Dormimos no terreno ainda um pouco inclinado, mas já estávamos gratos o bastante por não precisar caminhar noite adentro pra chegar ao cume no escuro.
Nem só o cume importa!
O trilheiro que encontramos no dia anterior havia dito que não seria preciso subir via rocha, haveria um ponto lamacento mais ao lado onde seria mais seguro subir segurando na vegetação, mas seria inevitável sujar e molhar os pés, e era tão inclinado quanto. Pelo menos consegue agarrar em algo ou frear uma queda.
Chegamos ao cume do Ciririca na manhã seguinte mais rápido do que imaginamos. Daria pra ter chego aqui ainda antes de escurecer no dia anterior, mas não tínhamos como saber e decidimos pela prudência.
Felizmente havia um belo sol desde o começo do dia, e o mar de nuvens cobria tudo logo abaixo dos cumes da redondeza. O sol animou também os animaizinhos rastejantes, quase pisamos numa cobra ali no cume enquanto ela tomava banho de sol estirada na trilha, era inofensiva, mesmo assim o cagasso alerta já é suficiente pra ficarmos mais ligados no caminho.
A vista era linda para além do cume. Mas o cume em si uma bagunça humana! Fica evidente que o Ciririca recebe muita gente para pernoite, há muitas clareiras para acampe, uma certa quantidade de lixo e muitos cocôs de onça pra todos os lados, e claro, de humanos também.
Gente, as onças eu até entendo, mas seres humanos, escondam melhor sua caquinha, ok?! Você pode carregar meio kilo de merda pro cume e não aguenta levar uma pá de jardinagem de 200g pra cavar um buraquinho e deixar a trilha e o ambiente de acampe mais agradável para todos?
É lamentável. E outra coisa, tapar com papel higiênico? Pelamor, ele não se decompõe rápido não, ele seca nos dias quentes e sai voando, fica pendurado sobre a vegetação e sai indiscretamente nas nossas fotos. Olha só gente, leva o papel de volta em um saquinho!
Saímos do cume por volta das 10h e a descida até a área de acampe foi rápida. Seguimos o caminho rumo ao pico do Luar, onde em nosso track indicava uma área boa para acampe logo antes do cume.
Chegamos cedo a esta área relativamente plana e sem clareiras marcada no mapa, não parecia um acampamento muito utilizado. Decidimos tentar a sorte de chegar para acampar no pico do Luar esperando que fosse ter algum espaço lá.
Chegamos no final da tarde e não havia possibilidade de pernoitar ali, era íngreme, cheio de pedras grandes e vegetação relativamente alta e adensada. Seguimos até próximo da hora de escurecer, e acabamos acampando sobre uma vegetação rasteira em uma das poucas áreas semi-íngremes logo após o Luar.
O bom de acampar em desnível é que o travesseiro não faz tanta falta. Só foi um pouco difícil de montar a barraca porque os espeques não paravam no lugar. A vegetação tem uma densa camada de matéria em decomposição muito fofa, praticamente não se encontra solo, só essa esponja e pedras, foi preciso uma meia hora pra ancorar decentemente a barraca a ponto de não sermos carregados pelo vento.
Ao menos sobre a vegetação o colchonete fica ainda mais confortável, parecia que estávamos dormindo em um ninho. Apesar de dormirmos numa espécie de tobogã, a noite foi linda e vimos alguns estrelas cadentes meteoritos.
O dia seguinte já começou na tensão. Como andamos pouco no dia anterior, teríamos um longo caminho até chegar na fazenda. Então decidimos sair mais cedo que o de costume.
Nós somos bem preguiçosos, geralmente tomamos um demorado café da manhã e só acordamos quando o dia clareia. Até porque estávamos salvando a bateria do celular para ativar o gps, e não com uma bobeira de um despertador que não tem o mínimo de respeito próprio, a gente nunca leva ele a sério!
Volta por cima: bifurcação invisível
Foi uma proeza estar na marcha pontualmente as 8h. Só que dessa hora de adianto só serviu pra uma coisa, nos sentirmos mais tranquilos quando estávamos a um tempão perdidos e fora da trilha correta pro Tucum. O gps estava com ótima precisão no descampado, o erro era nosso mesmo.
A folga de tempo nos deu coragem o suficiente para admitir que estávamos errados, e deveríamos tentar um atalho ou simplesmente voltar pro ponto onde deveria haver uma bifurcação para nossa esquerda e descendo.
O problema deste ponto é que geralmente as pessoas fazem a trilha no sentido contrário a que fizemos, então não há ponto de dúvida pra quem vem do Tucum ou Cerro verde em direção ao Ciririca, porque o próprio Ciririca e o Luar também, são bons pontos de referência visual pra navegação.
O Tucum continuava sendo a referência visual desta trilha, seguimos as fitas na vegetação mas logo a trilha descambou pro lado do Cerro Verde então estávamos errados mesmo. A vegetação estava muito fechada e perdemos o ponto onde bifurcava porque decidimos seguir pela trilha mais evidente, um erro que nos custou uma hora e meia (porque levantamos cedo mesmo? Margem de erro).
Bom, vimos um atalho, seguimos umas marcas de trilha de evidente uso humano como troncos mais gastos em pontos onde as pessoas se agarram e cortes de facão, sinais que iam descendo na direção que precisávamos, mas logo o caminho sumiu e as gretas começaram a parecer assustadoras demais, nem víamos o fundo dos abismos sobre as pedras e a superfície era ainda mais fofa e frágil.
Se caíssemos ali nunca iam nos achar, porque essa não é a trilha! Os sinais escassearam até sumir por completo. Atalhos nunca dão certo, ouça bem, NÃO DÃO CERTO!(Gente, NÃO façam o mesmo que fizemos, pegar atalho e trilha que não existe. Não façam! JUST DON’T).
Bem, voltamos ao ponto que estávamos e decidimos retornar ao cume mais próximo e tentar localizar visualmente o que seria a trilha certa. Isso significava retornar quase até o ponto de acampe.
Fico pensando que com uma condição climática desfavorável esse simples erro do caminho por meia hora, uma hora ou mais, poderia ser um grande pesadelo, errar o caminho afeta muito o lado psicológico, abaixa nossa moral e drena os ânimos. Sem falar que não teria sido possível localizar nossa trilha certa visualmente, ela estava mais abaixo no vale e a nossa esquerda, mas a marca era muito sutil.
Começamos a nos debater naquela vegetação fechada e espinhenta em busca da verdadeira bifurcação, o GPS via aparelho celular (smartphone) foi fundamental nesse ponto, não víamos nenhuma fita nas árvores por um bom tempo. Mas ele dizia que estávamos na trilha certa, finalmente!
Em um mini cume antes de descer pro vale em direção ao Tucum encontramos uma pedra com marca de pisoteio ao seu redor, e por intuição pensamos que ali poderia ser uma referência, mas poderia ser só uma pedra que as pessoas sobem em cima pra bater fotos.
Por cima, na linha de visão de uma pessoa em pé não daria pra localizar a abertura do caminho, então começamos a andar agachados por baixo da vegetação olhando para marcas no chão.
Só então conseguimos achar uma abertura próxima desta pedra que poderia ser uma trilha. Bastante fechada e pouco provável, seguimos nela mesmo assim, e mesmo sem achar nenhuma fita indicadora. Se em algum tempo não víssemos mais fitas ou o GPS indicasse que estávamos muito fora do caminho, era só voltar como fizemos anteriormente.

Onde não há vegetação o gps no celular vai bem. Estávamos no caminho errado aqui, tivemos que voltar até aquele pequeno cume novamente.
Errou? Volta ao ponto onde estava certo.
O problema de voltar em um caminho que você desconfia que está errado, é todo o esforço gasto em chegar até onde você está. Já é difícil juntar energia pra seguir seu caminho quando ele está certo, dores musculares, cansaço, dores no corpo todo, sede, pouca água, fome, medo de não chegar a lugar nenhum a tempo de escurecer, você enumera!
Sua mente se debate e desespera e faz de tudo para que você não queira voltar e refazer o caminho, parece um desperdício de energia. Nesse ponto é importante buscar tranquilidade, embora seja uma utopia realmente conseguir isso. Por dentro a gente fica com os nervos a explodir.
Muitos medos que me ocorriam ontem voltaram. Ansiedade por não estar avançando em direção à saída do labirinto. Não era um anseio por chegar à civilização em si, que fique claro, mas é lá que conseguiríamos comida, e quem não gosta de comer, não é verdade?!
Penso que talvez se estivéssemos muito atrasados em relação “distância X comida/água”, possivelmente não teríamos pensado direito e poderíamos tomar a decisão menos correta.
Subida do Tucum
Finalmente no caminho certo por um tempo, as fitas de marcação começaram a aparecer novamente aqui e ali. Pudemos relaxar novamente e seguir sem ficar checando o gps histericamente a cada passo. Mas o caminho seguia fechado e os braços todos arranhados pela vegetação.
Estávamos com pouca água e nenhuma marcação no mapa de pontos para reabastecer. Mas víamos que ao pé do Tucum a vegetação era mais abundante. Chegando ao fundo do vale havia um fio de água, talvez em um período maior de estiagem ela desapareça por completo. Carregamos somente a quantidade para passar a tarde. Teríamos onde reabastecer água entre Tucum e Camapuã.
A subida ao Tucum é tenebrosa desde onde estávamos e ela é praticamente vertical. Acho que não chega a ser considerado escalada. Há poucos trechos de caminhada ali. Senti apreensão forte na subida, mas ao mesmo tempo uma estranha tranquilidade e paciência que parecia não me pertencer.
Havia muita água vertendo, lama preta escorregadia nas pedras e subida só com a ajuda das cordas e agarrando a vegetação delicada. Em diversos pontos mais verticais da subida já não tinha mais força nos braços e os lances eram muito longos pra uma pessoa baixinha como eu. Então jogava as mochilas pro André que ia na frente, para poder conseguir alguma força e erguer o corpo sem aquele peso nas costas.
É incrível como a vegetação parece forte apesar de tão pouco solo nestas encostas quase verticais. Mas mesmo assim procurávamos sempre estar apoiados em 3 pontos bem confiáveis antes de agarrar o próximo galho.
Este trecho foi extenuante, muito desgaste por conta da pouca água e muito sol na moleira em pleno meio do dia. Chegamos no cume meio zonzos e sonolentos, e ainda teríamos o Camapuã e toda a volta até a fazenda pela frente.
Ali no cume do Tucum assinamos o “livro cume”, que aliás tinha uma tirinha muito informativa do Tom & Ana (adoro esta tirinha!) justamente sobre a importância do tal livro.
Almoçamos farinha de mandioca com água e sal e uma pequena sobra do arroz com funghi e tomate seco da noite anterior, aliás, comendo a mesma coisa a dois dias. Descansamos um pouco até sentir as energias voltando lentamente. Que almoço, ainda bem que tinha fome. Eu nunca pensei que fosse enjoar de funghi e tomate seco, mas este dia chegou, e foi no cume do Tucum!
A vista de lá e a própria montanha em si é muito linda e impressionante. Era este o pedregal lindo que vimos do Itapiroca na semana anterior. Não queríamos ter mais pressa a partir daqui. O cume é bem amplo e bem mais aberto para acampe do que todos os outros que estivemos antes, o que mostra que chegar até aqui via Camapuã é bem corriqueiro, o pessoal faz bastante essa trilha ida e volta.
Não é difícil entender porquê tão poucos seguem até o Ciririca daqui. Deve ser este o motivo da trilha estar tão fechada, aquele trecho que subimos com corda (sem olhar pra baixo) deve parecer bem assustador pra quem está descendo.
Sabe, “na descida todo santo ajuda”…pois é, eu chamo esse santo de força da gravidade e aqui ela pode ser um probleminha, porque pode ajudar além da conta e você ir parar lá em baixo muito mais rápido e menos inteiro do que imaginava!
Do Tucum até Camapuã a trilha é uma highway, quase uma BR-101 das trilhas. Porém pode oferecer tanto risco ao trânsito do que a própria BR. O solo é um areião e cascalho fino muito solto, muito fácil de escorregar, já que a mochila sempre puxa o corpo pra trás e os cascalhos funcionam como bolinhas rolantes sobre a sola do calçado. Não fossem os bastões de caminhada, teríamos avançado a uma taxa de dois passos e um tombo de bunda no chão.
Mas a visão da descida é linda, há muitos pequenos arbustos de ipê amarelo que estavam em botão, quando florescerem, deve ser ainda mais lindo o caminho. Ali seria nosso ultimo ponto de água. Então decidimos que acamparíamos no Camapuã mesmo e não seguiríamos pra fazenda, estávamos muito esgotados.
O astral de dormir no cume seria muito mais interessante do que acampar no gramado do quintal de uma casa só pela segurança de conseguir pegar o primeiro e único ônibus do dia (até onde tínhamos informação), decidimos arriscar. Já havíamos perdido uma noite no Ciririca mesmo…
Então enchemos todos os compartimentos de água. O que dificultou enormemente a subida ao Camapuã, que ao menos era mais tranquilinha que a do Tucum. Porém proporcionou sobra de água e um banho de lencinho muito relaxante sob os últimos raios quentes de sol.
Chegamos cedo ao Camapuã, letárgicos, sonolentos. André estava até parecendo meio atordoado. Deitou numa pedra e cochilou. Fui ver onde ficava a trilha pra voltar e rastrear o ponto mais plano e uniforme pra colocar a barraca o quanto antes. Nem que seja só na ultima noite pra dormir sem escorregar dentro da barraca.
Com todo esse tempo até escurecer, pudemos curtir o lugar. É maravilhoso quando temos tempo de sentar numa pedra e silenciar a mente em pura contemplação do momento, do entorno, da beleza ao redor. Melhor ainda quando você sabe que o pior já passou.
Tirar tempo para lembrar de ser grato por ter chegado até ali sem nenhum grave problema, por ter sobrevivido, não ter virado um pé, ter encontrado o caminho, não ter sido comido por onça, etc, etc, etc.
Dá pra ficar com raiva desse Ciririca depois de tanto perrengue? Dá não! Lugar lindo demais, mesmo com todo esse sofrimento voluntário. Tem gente que diz que nunca mais voltaria, mas eu acho que até voltaria. Isso até eu me lembrar daquela subida por corda do Tucum, que é o ponto onde começo a cogitar não voltar também!
Camapuã a Curitiba
O amanhecer com uma luz incrível e um silêncio absoluto nos fez sentir muita felicidade por ter escolhido ficar por aqui ontem.
A trilha até a fazenda é mamão com açúcar e antes do meio dia já estávamos no acostamento esticando o dedo pra voltar pra cidade-grande.
Só aquele barulho de veículos na rodovia nos deixava tontos. Ali toda a comunidade que vive pra dentro da estrada de chão, se precisa ir pra Curitiba deve esperar debaixo do sol e da chuva em pleno acostamento em meio a uma descida onde todos veículos passam voando. Sentimos na pele o que os moradores precisam enfrentar, nenhum ponto de ônibus digno e seguro.
Mas não foi por muito tempo que tivemos de esperar. Um carro que passou por nós minutos antes, pegou o retorno e voltou só pra nos dar carona até a entrada da cidade. Um cara lá das bandas de Bauru, reconheci o pinheirinho pendurado no painel. O cara viu a gente esticando o dedo, não deu tempo de parar ali, então ele deve ter pego um retorno. Olha se não tem gente boa nesse mundo?!
Valeu vida, você tem sido boa com a gente!
Confira abaixo todas as fotos do trecho.
Curiosidades inúteis
Ah, e sabe aquelas abraçadeiras de plástico que encontramos largadas no cume do PP (do post passado)? Pois é, elas salvaram! Na descida do Ciririca a sola do tênis do André arregou, descolou completamente e ele só não voltou de pé no chão porque conseguimos amarrar a sola com elas. Bom, da próxima vez ele se convenceu a ir com uma bota decente. E as cobras me convenceram que da próxima vez eu também devo ir com uma bota decente, porque a velha sandalinha de trekking guerreira não dá mais. Inclusive, da próxima vez cogitamos até em ir com polainas anti cobra.
Curiosidades Importantes
E aí, você gostou desse lugar lindo e tem vontade de se sentir parte desta paisagem? Não esqueça que esta trilha é de um alto grau de dificuldade. Considere:
- Ir com alguém que já conheça o caminho, ou
- Tenha experiência em montanha, seja bom em navegação e tenha um confiável aparelho de gps.
- Bom preparo fisico e equipamento adequado.
Caminhar na montanha não é um passeio no parquinho, é preciso muita responsabilidade, cuidado e equipamentos confiáveis que saiba utilizar.
Se você ainda se considera iniciante, que tal fazer trilhas em montanhas menos exigentes para começar a pegar o jeito? Ah, e evite ir sozinho, há diversos grupos que você pode se integrar, ou chame um amigo que tenha alguma experiência.
Somos muito gratos aos amigos que nos incentivaram no montanhismo, inclusive nos levando até elas, as belas montanhas! Ao Lu Trevisol, não esqueceremos a guiada pro Cambirela, e ainda iremos pro Tabuleiro, da próxima vez sem sardinha enlatada e sem bota apertada! Ao Davi Marski (em memória) que tanto nos incentivou e ajudou com informação, apoio e inspiração como pessoa, e agora segue nos guiando através de tanto conteúdo de qualidade que em vida teve o carinho de disponibilizar a todos em sua página. E aos grupos de trilhas que participamos enquanto moramos na ilha, galera sempre alto astral e boa companhia.
Confira ao final do post anterior algumas dicas e sugestões de boa conduta na montanha!
Também fizemos um review da barraca utilizada nestas trilhas, confira neste post {Review Barraca Trekking 2 Guepardo}