Vimos um puma na Ruta 40
Saímos de Tunuyán pensando que a chuva iria dar uma trégua. Que nada muléque, ele quer mesmo é te sacanear! Nem bem saímos de nossa suíte de luxo no camping municipal, já começou a garoar, e pra ficar uma diliça, o ventinho contra deu o ar da sua graça. Ah, que preguiça, paramos inúmeras vezes nos pontos de ônibus pra tomar chá, depois um café com galletitas. Ainda de manhã chegamos ao posto de gasolina de Pareditas e paramos cozinhar uma Pulentcha! Como sempre, pré-cozida pra ser mais vapt-vupt.
Depois do almoço e da lézera de sair na chuvinha fria, fomos dar de cara com a RN-40 numa laminha bem convidativa. Demos meia volta e paramos na Polícia perguntar se havia camping ou algum lugar bacaninha pra esperar a chuva passar. Os gendarmeiros foram gente fina, ofereceram e insistiram que nos alojássemos na garagem dos fundos. Ah, era tudo que queríamos! Ainda tínhamos toda tarde pela frente, então fizemos mingauzinho de aveia com toddy, e assistimos um dos últimos filmes que ainda restavam na memória, sabe aqueles bem águacáçúcar? Culpa do Angelo, ele que escolhe esses filmes Cult-sessão-da-tarde. Fomos invadidos por aquela deliciosa sensação de lar-doce-lar e dormimos antes da hora, pois a chuvinha convidava.
Na manhã seguinte um solzinho tímido dizia “Levanta rapaziada! Que hoje é dia de sofrê!”. Lá vamos nós pela quarentinha, subidas levinhas mas sem fim, o dia todo subindo. E aí você vê o final da subida, acha que vai começar a descer, e aí aquela esperança te invade, vai chegando mais pertinho do topo e te jogam um balde de água de degelo na cara! Sim, tem mais subida, descida num é aqui não e pode começar a botar força nessas pelanca, que ainda tem mais, ó lá no fundo ó, tem mais subida. Até que nos cansamos já perto das 20h e ainda dia fincamos acampamento na areia na beira da estrada. Passou duas caminhonetes, e só. Só nós e os pumas.
No outro dia, passamos pela barragem Água del Toro, só aí vimos água, e num mini arroiozinho um pouco mais pra trás. O lago da barragem com as águas bem paradinhas reflete os picos da Cordilheira lá longe. Passamos por um túnel gelaaaado e demos de cara com uma estrada terrível, se antes só passaram por nós alguns poucos carros, daí pra frente não passou nenhum. De tão ruim que tava só empurrando, até na descida. Já chegava o fim da tarde e paramos pra comer umas bolachas, antes do “sprint” final da pedalada do dia em meio às costeletas de vaca, por aqui os argentinhos chamam “serruchos”.
Eu vinha pensando muito nos pumas, analisando as pegadas ao lado da estrada era assim “Vaca, vaca, vaca, ternero, cavalo, cavalo, vaca, vaca, vaca…” Aparentemente pumas não deixam pegadas. Ok, vamos mudar de tática, vamos seguir as fezes, e aí “vaca, vaca, cavalo, ternero, ovelha, ovelha, vaca, vaca, vaca…Opa, um cocô amarelo esparramento e mole, de que bixo é esse, de homem não pode ser porque é muito pequeno…hmmm, de que bixo é? Bem no meio da estrada?”.
Vínhamos descendo devagarinho com aquele ventinho contra costumeiro, eu mais à frente, o André um pouco mais longe. Vi um bixo grande e pardo atravessando a estrada devagar, freio a bike e fico observando. Achei que era uma ema, depois achei que era um veado, quando o André chegou mais perto o bixo desparou pela vegetação rasteira numa velocidade invejável e logo já não o víamos mais.
Seguimos nosso caminho e “Pá!”, toma seus bestinhas, olha aí a evidência, uma lebre jogada no meio da estrada com o pescoço todo rasgado, alguns órgãos espalhados a esmo pela ruta, marcas de dentes pelas pernas da coitadinha. Era um Puma, era um puma, era um puma. Cebo nas canelas, esquecemos o cansaço e nos mandamos, devíamos estar a uns 20 km da encruzilhada com o asfalto, eram 17h.
Esquecemos que o cansaço já dizia que queria acampar, mandamos um “sifudê” pras costeletas de vaca (e pras bikes também, elas sofreram as consequências!), e “tocamopau” na estradinha pra sumir rapidinho dali, vai que o puma volta pra terminar o lanchinho dele, e aí, comé que fica? Já perto das 18:30 avistamos a rodovia de asfalto. Ufa! Onde há barulho não há pumas. Seguimos mais uma hora pedalando e achamos uma vala mais ou menos plana já perto do asfalto, arrancamos algumas arvorezinhas de espinhos e capotamos na curva depois de comer o que ainda restava de rango, ou seja, pulentcha!
No outro dia seguimos pela RN-40, só que agora asfaltada, parece que deram outro nome pra ela neste tramo. Mas não importa. O que importa é fomos parar dentro de uma mini-sala quentinha, tomando chá com uns Irlandeses no meio do nada. Mais sobre essa historinha no próximo post. Abraços!