Voltando ao Brasil, tamo em casa!
Foto de despedida do Perú, na placa idêntica à de nossa entrada.
Saímos de novo antes das 6h da manhã pra aproveitar a hora mais fresca pra pedalar mais. Chegamos a Iñapari, ainda no Peru, antes das 11h e já fazia mais de 40°C. Ao sol se poderia fritar um ovo de tão quente. Depois de um rápido lanche na praça, fizemos a foto do “Adiós” Perú e atravessamos a ponte da integração. Mesmo do lado de Iñapari várias pessoas já falavam português, vários carros com placa brasileira. Na ponte um senhor de bicicleta nos cumprimentou, metade em espanhol e metade em português “Oi, como estás?”, Na ponte ainda não é território brasileiro, nem é mais território peruano, então muito apropriado falar metade em um idioma e metade em outro.
Borboletinhas amazônicas, presentes tanto do lado peruano quanto brasileiro.
Ao pisar em território brasileiro, próximo ao meio-dia, o ar parado e o reflexo do asfalto nos fazia sentir mais calor que em outros dias. O termômetro marcava 45°C no sol, 40°C na sombra. Paramos na Aduana do lado Brasileiro e nem revistaram nada, só carimbaram passaporte e pronto. Entramos em Assis Brasil e fomos buscar uma sombra na praça, ficar debaixo daquele sol era loucura. Foi o dia mais quente da viagem até agora. Sentamos num banco à sobra de uma árvore e conversamos sobre o que fazer primeiro. Queríamos nos livrar o mais rápido possível do peso dos equipamentos de frio, despachar pelos correios várias coisas que no calor amazônico seriam inúteis, e que nos faziam sofrer demais nas subidas dessa planície amazônica. Então precisaríamos ao menos esta tarde, o que tornava inevitável um pernoite na cidadezinha.
Só o amanhecer é úmido e fresco, após as 8h da manhã, salve-se quem puder.
André foi a um posto da polícia perguntar. Lá disseram que todos que vem de bicicleta acampam na praça. Quando André me deu a notícia achei bom, não tava a fim de ficar em hospedagem mesmo, e a praça tinha uma grama bem cuidada, além de que, não havia muito movimento. Nisso um rapaz vem conversar com a gente, ele também do estado de São Paulo, como André, de uma cidadezinha perto de Ourinhos. Papo vai e papo vem, ele nos convida a ficar na casa dele, e é lógico que aceitamos, seria muito melhor no quintal de alguém do que na praça, e ainda teríamos com quem conversar em português, nos atualizar da situação do país. Além do mais a possibilidade de um banho, nem que fosse de torneira, já era melhor que tomar um banho na praça, depois daquela suadeira que passamos no sol. Como não daria mais tempo de mandar as coisas pelo correio, pois não nos demos conta da mudança de horário, que no Peru era uma hora a menos, decidimos ficar mais um dia, já que nosso anfitrião nos deixou bem à vontade, como em nossa própria casa. Pronto, 10 minutos no Brasil e já experimentamos da hospitalidade e generosidade de estranhos que se identificam com a gente, que também gostam de viajar, ou simplesmente gostam de ajudar os outros.
Depois de instalados, fomos tratar da fome, direto pro supermercado! Um supermercado brasileiro de verdade, depois de tanto tempo, nos sentíamos como criança em loja de brinquedo. Era o choque de identidade que precisávamos! Goiabada, farinha de mandioca, batata doce, couve mineira, feijão carioquinha, acabamos comprando demais! De noite cozinhamos batata doce na fogueira, e fizemos arroz, farofa temperada com couve e milho enlatado. Nos esbaldamos!
Fazendo un rango bem brasileiro e bem vegano! Farinha de mandioca brasileira, que saudade, couve, cebolinha e um azeitinho e tá feita a farofa!
Além de nos acolher na sua casa, Zé ainda nos deu de presente um livro, história de um grupo de amigos que viaja para lugares improváveis e perigosos, adoramos o presente, e na mesma noite comecei a ler!
Foi bom que decidimos parar um dia pra descansar, porque choveu quase a manhã inteira. Enviamos 14kg de coisas pra casa, sacos de dormir, roupas de frio, minhas botas, meu alforge e bagageiro dianteiro, meias e acessórios de frio e de chuva. Agora estamos muuuuito mais leves, provavelmente mais coisas minhas que do André. Só que nos demos conta que temos só uma muda de roupa de calor, com essa suadeira toda, parece que vamos precisar de umas regatas. Procuramos comprar regatas e roupas de baixo, mas não encontramos nada barato e bom, então desistimos. Queríamos um mapa do Brasil, mas também não encontramos. Vamos ver se achamos em Brasiléia, daqui a 100km. Cozinhamos um típico almoço brasileiro, arroz, feijão, salada de pepinos, e quiabos (Ah! Quiabos!) refogados, tudo regado a farinha de mandioca. Mas seguimos sem conseguir reativar os chip’s brasileiros no celular.
Em apenas 10 minutos já tínhamos um novo amigo e um lugar para ficar em Assis Brasil. Grande Zé Tico, sua simpatia e imensa vontade de conhecer o mundo! O livro que nos deu já foi lido, agora está nas mãos de outro amigo de espírito nômade como nós.
Para o dia seguinte, o plano de sair cedo e aproveitar novamente as melhores horas frescas da manhã permanece nossa meta. Saímos pouco depois das 7h da manhã e nos despedimos do Zé. Pedalamos firme e o relevo era todo cheio de lombas, já na saída da cidade uma ladeira quase negativa pra vencer. Um sobe e desce até o final do dia, aliviado só porque estávamos mais leves agora. Nas subidas, os 14kg que deixamos pra trás faziam grande diferença no nosso rendimento. Mas depois das 10h da manhã o sol deixa o exercício penoso, e nosso rendimento cai muito a partir desse horário, vem a sonolência e a bunda começa a assar devido ao suor excessivo. Realmente pedalar em clima frio tem suas vantagens, mas a desvantagem é que deixa nossas bundas sem calos, hehehe.
Pau de arara. Uma versão bem mais confortável que as vãs apertadas da Bolívia e Perú.
Fizemos uma grande pausa das 11h30 até as 13h30 para o almoço, que foi feijão de caixinha, a farofa temperada sobrada do dia anterior e uma Tubaína grande comprada no barzinho onde paramos, só pra ver se todo esse açúcar nos dava um empurrãozinho pra sair dessa sombra e enfrentar o sol novamente. Pedalamos 86km e decidimos parar perto das 15h, porque o calor tava nos desgastando demais. Em uma curva vimos um povoado e haviam várias opções de onde conseguir acampar. Havia 1 campo de futebol, 1 igreja evangélica e 1 escola. Como era sábado, no campinho poderia ter jogo, na igreja poderia ter missa, mas na escola não teriam estudantes. Então decidimos apostar na escola. Falamos com o vigia e ele nos deixou acampar por ali, só avisou que não havia chuveiro na escola. Ficamos mesmo assim e para o banho a gente se vira com uma torneira ou balde. Colocamos a barraca debaixo do teto da quadra de esportes. Tomamos banho de uma torneira generosa com o auxílio de uma garrafa pet cortada. Ficamos frescos e fomos logo cozinhar nossa janta. Ainda era dia quando jantamos e logo estávamos capotando dentro da barraca. O vento que trouxe a chuva deixou a noite fresca e dormimos super bem.
Primeira escola a nos acolher no Brasil, por sorte havia uma grande quadra de esportes coberta, pois choveu muito ao entardecer. Mesmo assim, em plenas 4h30 da manhã, olha o calorzinho que a gente já sentia…
Pela manhã o barulhinho de chuva nos fez negligenciar o despertador. Dormimos a menos quando pensávamos que dormíamos a mais, porque o André se confundiu com o horário do despertador, pensando que estávamos no horário peruano? Acabamos acordando meia hora antes, mas psicologicamente estávamos meia hora atrasados. Começamos a desconfiar do engano só quando percebemos que o dia demorava demais pra clarear. Por sorte o barulho do telhado não era chuva, e sim o sereno que se acumulava no grande telhado de zinco. Nos arrumamos e saímos depois de uma conversa com o vigia da noite anterior e o vigia da manhã. Nos contaram um pouco sobre a situação da fronteira quase tríplice, pois nós compartilhamos a floresta com Bolívia e Perú e podemos ter os mesmos problemas, comentamos sobre os protestos mineiros pelos quais passamos dias antes, eles falaram da extração de látex e castanhas e da expulsão dos brasileiros dos territórios bolivianos.
Abrigados em um antigo parador de estrada, uma mansão de madeira antiga. Estavam reformando este cômodo para instalar um bar. Infelizmente mais um a servir bebida alcoólica aos motoristas da estrada…
Amanhecer amazônico sempre muito úmido, belo e poético. Nesta manhã especial o dia resolveu ficar nublado e foi possível prosseguir por mais tempo e maior distância.
Dia nublado, o pedal rende. Alívio pedalar na sombra! Passamos em Brasiléia as 8h da manhã e que alegria ver uma feira livre de domingo! Compramos frutas, muitas frutas. Delícia para os olhos e o paladar! Finalmente mamão papaia verdadeiramente papaia, daqueles que são quase vermelhos dentro e super doces, a casca chega a ter açúcar cristalizado, um deles foi apenas um real, e o outro menor cinquenta centavos. Praticamente de graça! Perto daqueles mamões que comíamos no Peru, aguados e sem graça e ainda por cima caros, sob este ponto de vista estar de volta ao Brasil nos faz sentir muito bem. Ainda encontramos polpa de açaí recém feita, um saco que custou cinco reais, deve ter vindo dois litros ou mais, porque enchemos uma garrafa e ainda tomamos um tanto na hora, rendeu comida pro dia inteiro. De manhã comemos açaí com o papaia e açúcar, de meio dia com as sobras de arroz e farinha de mandioca, e de tarde com banana amassada. Foi quase toda a refeição do dia movida a açaí, e completamos 110km antes das 14h30. Acho que o açaí e o tempo nublado fizeram grande diferença, porque o relevo não foi nada plano.
Eu ia falar da ondulação da estrada para descrever esta foto. Mas veja que lindo varal o André improvisou no guidão da bici!
Mas as nuvens se abriram e o sol ficou quente demais no início da tarde. No horizonte somente campos desmatados, e justo no km110 do dia, duas casas e uma escolinha que parecia abandonada. Ah, só vamos seguir se nos negarem pouso. Por hoje já está bom! Tentamos na casa maior, parecia um antigo parador que já teve seus bons tempos, tem estilo mas que agora cai aos pedaços. A família nos recebeu com água gelada e um teto pra dormir. Depois nos ofereceram de tomar banho e até usar energia elétrica se precisarmos carregar algum aparelho eletrônico. Apenas 15h40 e já estávamos com a janta a caminho, barraca pronta para enfrentar os mosquitos, só falta a ducha. Ainda temos um dia e meio ou dois de pedal até Rio Branco e ainda não sabemos se o amigo do nosso amigo poderá nos hospedar na cidade grande.
Mais um amanhecer de tirar o fôlego. Não só pelo amanhecer espetacular, mas pelas longas ladeiras também. Pedalar na Amazônia é acordar antes do sol nascer, estar na estrada antes de clarear!
Sobre a estrada, percebemos que estamos mesmo no Brasil, não há como negar, estradas cheias de buracos e trechos inteiros com falhas desde Assis Brasil pra cá. É a festa do patchwork viário, a cada metro um remendo de cor e textura diferente! Outra coisa que nos faz acordar do sonho mágico de estar de volta ao nosso país é a velocidade que os carros passam pela gente e a falta de cuidado dos motoristas. Não estamos mais acostumados com isso, e de vez em quando tomamos susto quando do nada um jato passa rente a nós. Não dá tempo nem de ver pelo retrovisor. O povo brasileiro sem dúvida é muito acolhedor, alegre, simpático e solidário, mas não sabemos o que acontece com esse mesmo povo ao volante! Não entendo como essa transformação acontece, a negligência na estrada é grande por conta da velocidade, mas por sorte temos encontrado acostamento ao menos para “fugir” quando conseguimos ver que algum veículo está em nosso retrovisor. Também ajuda pedalar bem cedo, quando o movimento é menor.
No horizonte as castanheiras remanescentes. De longe em muito menor quantidade do que no lado peruano. Infelizmente todo o resto da paisagem nesta foto é pastagem.
Em Capixaba, André teve que ir ao Posto de Saúde, ver um caroço que estava por debaixo da pele, com medo que fosse inflamação de alguma picada de insetos desconhecidos. É que há muita preocupação com essa coisa de insetos amazônicos, muitas pessoas da família nos alertam sobre coisas que veem na televisão, raras e novas doenças causadas por insetos daqui. Foi tanta a neura que decidimos ir logo ver do que se tratava. Para nossa decepção, o médico apenas olhou e receitou antibiótico, dizendo que era anti-inflamatório. Nem ao menos tocou o local, apenas deduziu ser algum pelo encravado, ou algo do tipo. Ao menos não é nenhuma inflamação causada por insetos. Ou não! Como saber? Bom, no meio dessa lida, um rapaz vem conversar com a gente, estava trabalhando no posto. Nos convida para almoçar com sua família, ele também é ciclista e ficou interessado na nossa viagem. Aceitamos o convite, mas falamos a ele de nossa alimentação vegetariana, e que ele não se ofendesse se levássemos uma saladinha, que aceitamos o convite não pela comida, mas pela companhia e bom papo nesse horário em que geralmente mesmo não pedalamos, devido ao sol forte. Mas não foi preciso explicar muito, ele falou que não era necessário levarmos nada, que ele também estava num período de reeducação alimentar, então salada nunca falta, muito menos arroz e feijão. Então sorriso largo e tudo tranquilo, lá fomos nós para um almoço em família.
Uns queridos estes dois mineirinhos residentes em Capixaba! Muito obrigado Estevão e Ana Paula! Foram breves os momentos que compartilhamos, mas muito significativos para nós, valeuuuu!
Como já estávamos a poucos quilômetros de Rio Branco, e já havíamos pedalado um bom trecho no dia, perguntamos se poderíamos acampar no quintal deles, e seguir no próximo dia, para chegar a Rio Branco ainda pela manhã. Não fizeram cerimônia e não nos deixaram acampar no quintal, mas nos disseram para dormir no quarto lá de dentro, mas aí a gente se acostuma mal! Ana Paula e Estevão, muito obrigado pela acolhida, esperamos agora é a visita de vocês lá pro sul, pra passar um friozinho e comer pinhão sapecado!
Então é isso, come Back, EVER! No próximo post de capital a capital. Um pesado e puxado pedal de Rio Branco até Porto Velho. Mas, come back EVER, não esqueça!