Carretera Austral, agora sim finalizada!

Carretera Austral, agora sim finalizada!

Em La junta recebemos a notícia de que os pais da Ana decidiram vir nos encontrar! Então esse foi o fôlego que precisávamos para seguir pedalando, quando mais ao norte fôssemos, mais rápido os encontraríamos. Então assim que os donos da casa voltaram, seguimos pedalando para o norte. Só que aí um cão mordeu o André, ficamos presos em Villa Santa Lucia tentando descobrir qual lugar mais próximo teria vacina anti-rábica. Quando André conseguiu tomar a primeira dose em Futaleufu, seguimos mesmo debaixo de chuva e frio a pedalar.

Encontramos um louco mais louco que a gente já perto de Chaiten. Vimos ao longe um cara empurrando um carrinho de mão com uma bóia de patinho amarelo em cima. Pensamos, “Que po#%@ é essa?!”. O doido é um polonês, que está viajando a pé, desde Ushuaia, até a Colômbia. Vai intercalar uns trechos com bicicleta e barco a remo, mas nada de caronas.

Ele caminhava mais rápido do que nós pedalávamos, talvez devido a sua estatura, mas mesmo assim, era uma máquina de caminhar! Paramos acampar e no outro dia ele já estava a uns 20km na nossa frente.

Encontramos o figura novamente em Chaitén, devolvia uma máquina fotográfica a um senhorzinho que a tinha perdido na estrada, o cara achou a câmera caída na estrada! Nos contou que fez o paso Mayer por cima das montanhas, carregando comida liofilizada,  só que ele também se perdeu e a comida acabou, encontrou um posto militar que se recusou a dar-lhe um pouco de comida. Teve que racionar por 3 dias e perdeu 16kg, realmente ele estava um esqueleto! Quanta história deve ter pra contar…

Depois de Chaitén, só teríamos como nos abastecer em Hornopirén. Encontrar um mercado na cidade fantasma de Chaitén foi uma saga! Quase todas as casas estavam fechadas, muitas ainda tinham cinzas acumuladas em grandes montanhas que víamos pelas janelas. Uma cena triste de verdade. Até sentia vergonha em fotografar a cena, me sentia mal em fazê-lo. Muitas casas tinham lacres e mensagens para não serem reocupadas. Outras estavam totalmente vazias.

Acabamos deixando a cidade para acampar no caminho. O dia estava cinzento, mas tão logo saímos da cidade o céu se abriu e fez uma linda tarde. Apressamos o passo no rípio ruim a fim de encontrar a fonte de água quente de que Renan e Elisa haviam nos dito. E conseguimos!

Ficamos tão felizes de encontrar a piscininha de água quente ao lado da estrada, que nem cabíamos dentro de nós. A tal piscina fica justo ao lado da placa que diz “Caleta Gonzalo 15km”. Na verdade Caleta Gonzalo está a 19km, suspeitamos que colocaram a placa ali só pra não perderem de vista a tal piscina. Tiramos as roupas e ficamos peladões ali na rua. Quase não passava nenhum carro, nos metemos na piscina com temperatura ideal, água limpa e cristalina, ah, que banho! Já eram 19h e ainda teríamos que encontrar o camping.

Pretendíamos acampar dentro do Parque Pumalin, aliás, já estávamos dentro do parque. Soubemos que fora de temporada não controlam os campings todos os dias. E realmente ninguém apareceu pra nos cobrar. A estrutura do parque é muito bem organizada, e no outro dia fizemos uma trilha rápida até uma cachoeira, trilha cheia das escadas e pontes, e os campings contam com banheiros limpos e quiosques cobertos, com mesa e boa grama para deitar.

Ao longo do parque passamos por vários campings, em temporada custam $2.700 pesos chilenos por pessoa. Mas não é preciso pagar entrada ao parque. Em Caleta Gonzalo há apenas um café, um posto de informações turísticas e o embarque da balsa. Chegamos cedo e pudemos cozinhar um macarrão quase em paz. Quase porque chegam muitos turístas, e muitos vinham atraídos pelas bicicletas, puxar assunto enquanto fazíamos nossa refeição.

Na primeira balsa, mais pequena, nos informaram que era melhor subir as bicicletas numa caminhonete, porque depois teríamos 10km de rípio para pedalar até a segunda e maior balsa. Conseguimos facilmente duas caminhonetes, uma bici em cada. A segunda balsa é mais demorada, mas dentro da cabine de passageiros é bastante amplo e é possível usar energia elétrica. A paisagem é bonita, mas em viagem de mais de 4h fica um pouco cansativo ficar olhando pra fora. Então ligamos um filme, ouvimos música, fizemos café, comemos umas bolachinhas e observamos crianças choronas entediadas com a longa travessia, já cansadas dos mesmos brinquedos e sem poder correr por aí.

Chegamos em Hornopirén no final da tarde, o horário mais ingrato para se chegar em qualquer lugar onde se pretende passar a noite. Não gostamos do camping que nos ofereceram, gatos demais, vizinhos demais, compramos comida no mercadinho e chispamos pra fora da cidade. Duan havia nos dito que fora da cidade havia onde acampar. Mas já estava escuro e não víamos nada, e pra piorar, só subia e subia. Fomos parar na placa de boas vindas da cidade. Amanhecemos com a barraca coberta de poeira da estrada. O feriado de semana santa movimentou os viajantes noturnos, de modo que tivemos uma noite nada tranquila. No outro dia, já com a claridade e a calma trazida pela luz solar, pedalávamos e observávamos inúmeros bons lugares para acampar, só que tarde demais!

O trajeto que fizemos depois de Hornopirén seguiu a margem junto ao mar. Quando paramos juntar algumas amoras perto de uma cerca, percebemos que saímos dos roteiros turísticos saturados de ciclistas e outros tipos de viajantes. Saiu de casa um senhorzinho gritando. Pensamos que estava dizendo pra não colhermos suas amoras.

Mas era bem o contrário, nos oferecia maçãs do seu pomar, e saiu a colhê-las para nos presentear. Não entendíamos muito bem o que ele dizia, mas agradecemos demais o gesto e as deliciosas maçãs. Adiante paramos onde dizia informação turística, e o simpático senhor não nos deixava mais ir embora, queria nos contar a história de toda a sua vida.

Nos disse para passar por Rolecha, onde há uma ilha que a certas horas do dia é possível chegar a pé. Vimos golfinhos, pelicanos, pinguins, bosques de arraianes e belas cenas de coloridos barquinhos no manso mar. Em Rolecha buscávamos lugar para acampar à beira do mar, e a simpática senhora Nora, nos levou pra dentro de seu campo, nos serviu chá e um pão cozido no vapor que ela havia preparado para o final de semana de Páscoa.

Aí estávamos nós, tomando um chá da tarde na casa dessa gente humilde de enorme coração, sendo tratados como filhos por este casal de senhores que sente falta dos próprios filhos que moram longe. O filho deles também se chama André, e a nora também se chama Ana, por uma coincidência que não podemos compreender ou explicar.

Mas a noite não foi tão agradável quanto o chá da tarde e a companhia desta família. Os cães estranhavam nossa presença, e qualquer barulho dentro da barraca eles latiam. Pra piorar, o André levanta a noite pra prender as cordas da barraca, porque ventava, e pisa num cocô mole de um dos cães, o que o deixa num péssimo humor. No domingo de Páscoa partimos depois do abraço forte de Dona Nora e seu marido, ainda um pouco lentos e sonolentos.

Chegamos a Contao para fazer um lanche, tinha vários locais pra comprar comida e depois pegamos a balsa para Puerto Montt, em Puelche. Já do outro lado, a cena muda completamente, já estamos perto de cidade grande, é notável.

Todos os campings pelo caminho super caros e em lugares péssimos. O trânsito já intenso de final de tarde. Buscávamos onde acampar perto do mar, mas tudo estava tomado de casas de veraneio. Fomos parar próximo a um campo de futebol, com uma bela vista do alto para o entardecer no mar.

A chegada em Puerto Montt foi tumultuada. Terminamos a ruta 7, de ponta a ponta, nos sentíamos alegres e satisfeitos, com um novo ânimo para seguir a nossa viagem de bicicleta, desta vez com novidades a cada dia.

Passou o período de reprises de vilas e povoados. Tudo é inteiramente novo outra vez, e é isso que sentimos que nos motiva a empacotar tudo dentro das bicicletas a cada manhã, e a desempacotar tudo outra vez para descansar no final do dia. É desafiante e motivador o desconhecido, o inesperado e finalmente o tempo bom e sem as constantes chuvas, finalmente!

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